Há mais de um ano, o ex-militar russo Vitaly Petrov, de 42 anos, está preso no Rio de Janeiro. Ele é opositor de Vladimir Putin e também afirma ser ex-combatente do grupo Wagner, composto por mercenários que atuavam no interesse de Moscou na Ásia, África e também na guerra contra a Ucrânia. Petrov foi preso pela Polícia Federal (PF), em março do ano passado, após a Rússia pedir sua extradição ao Brasil.
O caso está no Supremo Tribunal Federal (STF), sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes. A Procuradoria-Geral da República (PGR), que opina no processo, já se manifestou a favor da entrega de Petrov para a Rússia. A defesa dele tenta impedir a medida e alega que lá ele seria morto pelo regime de Vladimir Putin, de quem se tornou opositor político em 2016.
A Embaixada da Rússia no Brasil pediu a extradição e acusa Petrov de desviar 12,8 milhões de rublos (R$ 745 mil) de uma unidade militar em que trabalhava, em 2010. Ele diz que se trata de uma condenação falsa, apresentada apenas para obter sua transferência.
“O processo contra o extraditando foi forjado com apenas interesses políticos. O governo russo pretende punir e aplicar pena ao réu por motivos necessariamente políticos”, diz a defesa de Petrov no STF, que é realizada pelo advogado criminalista Jaime Fusco. Em agosto do ano passado, ele reforçou ao STF o pedido contra a extradição e citou a morte do chefe do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, quando o avião dele foi abatido por um míssil.
Na época, o governo russo negou que o líder mercenário teria sido morto sob suas ordens. Em junho de 2023, Prigozhin se rebelou contra Putin e acusou o ministro da Defesa de atacar o grupo Wagner, que contra-atacou e ameaçou tomar Moscou.
Em fevereiro, Petrov informou ao STF que o blogueiro militar russo Andrey Morozov morreu poucos dias após informar que a Rússia havia sofrido grandes perdas durante o ataque à cidade ucraniana de Avdiivka. Fontes oficiais do governo apontaram suicídio.
“Com esta morte, é riscado mais um nome da lista, que o extraditando também faz parte, de militares opositores às investidas marciais que o atual governo Putin vem, há mais de ano, promovendo contra o território ucraniano”, afirmou a defesa de Petrov.
Segundo a PF, Petrov chegou ao Brasil em fevereiro de 2021. Ele é casado com uma brasileira e não tem filhos. Antes de ser preso, morava com ela no bairro de Freguesia, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Ele diz que se tornou opositor de Putin em 2016, após denunciar crimes e fraudes praticados por militares ligados ao presidente russo.
Petrov diz ser fundador do Comitê 25 de Janeiro, que defende a revogação de dispositivos do Código Penal da Rússia que permitem perseguições políticas e que, ainda segundo ele, “propõe medidas mais efetivas a serem tomadas com relação à Guerra na Ucrânia”.
“Eu também conto com a sensibilidade do governo para atuar nesse caso. Seria um contrassenso imaginar que o governo Lula vai permitir que uma pessoa seja mandada para a Rússia a pedido de um tribunal militar”, disse Fusco.
PGR defende extradição de Petrov para a Rússia
Apesar disso, a PGR defendeu a extradição no STF. Em dois pareceres já submetidos a Moraes, o subprocurador Carlos Frederico Santos rebateu os argumentos de Petrov e defendeu a manutenção de sua prisão para posterior entrega à Rússia. Santos afirmou que não há prova de correlação entre sua suposta condenação na Rússia, em 2010, e o início de sua oposição a Putin, em 2016. Também diz que não está comprovada a intenção da Rússia de persegui-lo, torturá-lo e/ou executá-lo, caso seja extraditado pelo Brasil – em situações assim, o direito internacional e a lei brasileira proíbem a extradição.
“Não está comprovado que o Estado requerente [Rússia] viole, sistematicamente, os direitos humanos na persecução penal desempenhada pelo seu aparelho estatal ou que haja intensão de submeter o requerido a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes”, afirmou o subprocurador brasileiro num parecer de julho do ano passado.
Contudo, a prática de perseguição política na Rússia e até eliminação de dissidentes é amplamente documentada. O caso mais notório é o do ex-líder de oposição Alexei Navalny, que tentou concorrer contra Putin e se tornou o nome mais conhecido da oposição ao ditador no exterior. Ele foi assassinado em uma prisão russa em fevereiro deste ano. Mas a perseguição não é apenas contra políticos e ativistas. No mesmo mês, o piloto desertor Maxim Kuzmizov foi assassinado na Espanha com seis tiros de uma pistola Makarov, e o crime foi atribuído aos agentes do Kremlin.
Num parecer anterior, de abril de 2023, Santos também afirmou que, em seu entendimento, é dever do Brasil cooperar com a ditadura da Rússia. “O fracasso nacional em consignar um indivíduo localizado em seu território às autoridades estrangeiras requerentes não é apenas um descrédito de seu sistema processual penal, mas também uma desfeita às autoridades judiciárias estrangeiras e ao vetusto dever do Direito Internacional de cooperação entre soberanias. Não bastante, produz reflexos negativos no modelo de reciprocidade que preside essas relações de cooperação internacional”.
Em maio deste ano, a defesa de Petrov solicitou refúgio humanitário para ele no Brasil devido ao risco de vida e agora aguarda uma decisão sobre o assunto por parte do Ministério da Justiça. “Ele corre risco de vida se for mandado para o governo russo”, disse Marcio Pereira, advogado constitucional e especialista em direito internacional, que também atua no caso.
Uma assistente social, que o atendeu na prisão no Rio, relatou assim seu pedido de asilo:
“Vitaly [Petrov] informa que deseja asilo político. Relata ser escritor, ex-militar e um dos fundadores do movimento de oposição ao governo chamado ‘Vinte e cinco de janeiro’. Sua vinda ao Brasil deu-se em fevereiro de 2022, casou-se em 2023 com uma brasileira. Informou ainda que, quando residia na Rússia, denunciou um esquema estatal de corrupção, no qual o fez ingressar no programa de proteção a testemunha, mudando seu nome e sua documentação. Verbalizou que sua prisão no Brasil se deu por conta de uma acusação de desvio de dinheiro da marinha russa, crime no qual se diz inocente. Segundo informações coletadas, sua solicitação de asilo político é uma estratégia para manter sua vida, pois acredita que sofreria atendados caso retornasse ao país de origem.”
O caso continua com Moraes, a quem cabe proferir o primeiro voto no julgamento do caso, que ainda não tem previsão de ocorrer. A deliberação se dará na Primeira Turma do STF, que é formada também pelos ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, Luiz Fux e Cármen Lúcia.