Ruas inundadas, carros submersos, voos interrompidos, alagamento no aeroporto e diversas árvores caídas pela cidade. Imagens da mídia local mostram o impacto de uma tempestade que aconteceu na terça-feira (16) na cidade de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, na que foi considerada a “chuva recorde na nação desértica”, de acordo com a agência. Segundo a AP, a técnica de “semeadura de nuvens”, ou “chuva artificial“ utilizada pelo governo, foi um dos contribuintes para o fenômeno. Mas como a semeadura acontece e em que casos pode ser aplicada?
De acordo com a AP, a semeadura no país é feita por meio de voos operados pelo governo que atravessam as nuvens queimando chamas especiais de sal, que podem aumentar a precipitação de chuvas.
Os Emirados Árabes Unidos, diz a agência, depende fortemente de usinas de dessalinização para obter água potável. As usinas, no entanto, consomem muita energia para fornecer água e o objetivo da semeadura é justamente aumentar as águas subterrâneas “escassas e limitadas”. A AP também informou que “dados de rastreamento de voo analisados mostraram que uma aeronave afiliada aos esforços de semeadura de nuvens dos Emirados Árabes Unidos voou pelo país na segunda-feira”.
Segundo especialistas ouvidos pelo Valor, a semeadura de nuvens, também conhecida como chuva artificial, é uma metodologia utilizada para induzir a chuva em lugares secos por um processo químico, utilizando iodeto de prata e gelo seco, que estimula a formação de núcleos de condensação e assim, a produção de chuva. “É uma técnica chamada inseminação artificial de nuvens, que consiste em colocar na atmosfera, em altos níveis, onde as nuvens estão sendo formadas, partículas que absorvem água”, explica Ranyere Nóbrega, doutor em meteorologia e professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
E por que semear faz chover? Como explica Nóbrega, as nuvens são formadas por gotículas de água e, para que elas se desenvolvam e ocorram as chuvas, é necessário que hajam outras partículas na atmosfera, as chamadas partículas higroscópicas, que absorvem a água, como o sal. “Na atmosfera, a gente vai encontrar o sal na fórmula química NaCL, o cloreto de sódio, mas, por exemplo, se misturar água com sal e mexer, vai observar que o sal não dilui, ele vai absorvendo a água. O açúcar, por exemplo, dilui”, exemplifica.
A inseminação artificial de nuvens, explica ele, se baseia em jogar partículas higroscópicas nas nuvens para que as gotas de água presentes ali se desenvolvam e acabem formando a chuva. “Isso porque precisa de um tamanho suficientemente grande — isso vai depender das condições de atmosfera de cada lugar — para que as gotas de água caiam sobre a superfície”, diz o professor.
Andrea Ramos, meteorologista do INMET, explica que quando muitas nuvens na atmosfera que contêm gotas de água são frias, as gotículas (pequenas gotas) ficam na atmosfera pairando e a gravidade não consegue fazer com que caiam. “Como consequência, essas gotículas esperam por gotas maiores (já contidas na nuvem) para absorver e ficarem maiores ou pesadas e então, precipitar”, diz.
“Quando há esse procedimento, mudanças acontecem e podem levar, por meio da circulação dos ventos, para outros lugares, tornando tudo complexo, pois é algo caro e precisa de nuvens já existentes para que haja a semeadura. O caro é que esse processo pode ser feito com uso de aviões e foguetes ou também com canhões que disparam os ingredientes nas nuvens e a circulação dos ventos podem levar para outros lugares e intensificar condições meteorológicas existentes”, diz Ramos.
A técnica não é nova, explica Nóbrega e já foi, inclusive, testada no semiárido brasileiro. “Alguém pode perguntar: por que não se realiza isso no semiárido, não é? Já foi testada no Brasil, a Fundação Cearense de Meteorologia e Chuvas Artificiais (FUNCEME), fez isso no passado, durante muito tempo, mas observou que não dava certo no Brasil”, diz. Isso porque, segundo o meteorologista, as nuvens que formam chuvas na região do semiárido estão em rápido e constante movimento, então a inseminação dessa nuvem poderia produzir chuva em outras regiões que não seriam de interesse.
“Não dá para controlar [os impactos da semeadura], amarrar a nuvem onde vai chover muito”, explica.
Segundo o professor, esse é um dos riscos da metodologia: a aplicação da técnica não controla a quantidade de chuva, como pode ter acontecido em Dubai e nem onde as chuvas serão liberadas, ou seja, as nuvens podem se desviar pra outras localidades, que não a do objetivo inicial.
A agência de notícias estatal WAM disse que “os Emirados Árabes Unidos testemunharam as chuvas mais fortes já registradas nas últimas 24 horas, superando tudo o que foi documentado desde o início da recolha de dados em 1949” e que as chuvas afetaram diversas regiões do país.
Nóbrega explica que outros casos, como na China, a técnica foi utilizada durante as Olimpíadas de Pequim, para controlar o clima durante os jogos.
De acordo com a AP, no final de terça-feira já havia chovido mais de 142 milímetros em 24 horas na cidade de Dubai. Volume maior que o esperado para o ano inteiro, quando, em média, chovem 94,7 milímetros.