Uma pesquisa realizada pela revista The Economist, em parceria com a empresa YouGov, revelou em dezembro do ano passado que 20% dos jovens americanos entre 18 e 29 anos acreditam que o Holocausto, o genocídio de seis milhões de judeus pelo regime nazista da Alemanha, é “um mito”, e 23% acreditam que ele foi um fato histórico que atualmente é tratado de forma “exagerada”. Outros 30% disseram “não saber” se o Holocausto é “um mito ou não”, ao optarem por “nem concordo nem discordo” com a pergunta do levantamento.
A pesquisa, que entrevistou 1,5 mil americanos jovens e adultos entre os dias 2 e 5 de dezembro de 2023, também mostrou que 10% dos que se identificam como apoiadores do Partido Democrata concordaram com a afirmação de o Holocausto ser um “mito” (embora 71% tenham discordado da afirmação), contra 6% daqueles que apoiam o Partido Republicano (onde mais de 80% afirmaram que discordavam). Outros 19% dos que apoiam os democratas também escolheram a opção “nem concordo nem discordo” sobre o genocídio perpetrado pelos nazistas ser um “mito”.
Tal resultado é alarmante, especialmente se colocado em um contexto em que tanto os Estados Unidos quanto o mundo enfrentam um aumento significativo no número de casos de antissemitismo. Ele também surge poucos meses após os ataques terroristas do Hamas contra Israel, principal aliado americano no Oriente Médio, que deixaram cerca de 1,2 mil mortos e diversos feridos em outubro de 2023.
Analistas apontaram para a deficiência na educação americana, a influência das redes sociais, principalmente o TikTok, e o clima político tenso que paira sobre o país como os possíveis problemas que podem explicar o resultado inesperado da pesquisa.
Segundo informações de organizações judaicas americanas, a educação sobre o Holocausto nos EUA tem sido nos últimos anos “inconsistente e insuficiente”. Apenas 26 estados americanos têm atualmente regulações que exigem o ensino correto sobre o extermínio dos judeus nas escolas.
As universidades americanas, que estão sendo usadas como ponto de protestos organizados por movimentos estudantis (apoiados pela ala mais progressista dos democratas) que afirmam estarem lutando pelos “direitos dos palestinos” e contra a “ocupação israelense”, também podem fazer parte do problema revelado pela pesquisa de dezembro. Um levantamento feito pela organização judaica Liga Antidifamação, divulgado em novembro de 2023, apontou que mais de 70% dos jovens judeus universitários dos EUA foram alvos de discursos de ódio nos ambientes acadêmicos no último ano letivo, número que foi intensificado após os ataques de outubro.
Em 2021, o jornal americano The Wall Street Journal chegou a noticiar que os maiores sindicatos dos professores dos EUA estavam cada vez mais adotando políticas progressistas da esquerda americana, que apoia, em muitos casos, o discurso contra o Estado de Israel, por exemplo.
No mesmo mês em que saiu a pesquisa do The Economist, parlamentares americanos também interrogaram três reitoras de universidades locais, entre elas a de Harvard, em uma audiência no Congresso sobre o antissemitismo nos campi universitários.
Em uma das trocas mais tensas, uma deputada republicana chamada Elise Stefanik perguntou se “pedir pelo genocídio dos judeus” violaria as regras das universidades. Ela recebeu das três reitoras uma resposta controversa de que “dependia do contexto”.
A situação viralizou nas redes sociais e foi condenada por associações judaicas dos EUA. Após isso, duas reitoras foram afastadas de seus cargos, entre elas Claudine Gay, de Harvard, que também chegou a ser acusada de plágio.
Além do problema educacional, a distância temporal entre os jovens americanos e os tristes eventos que marcaram a Segunda Guerra Mundial, que ocorreram há mais de 70 anos, e que contam atualmente com cada vez menos sobreviventes vivos para relatar suas histórias, também foi apontada como um dos fatores.
“Infelizmente, os adultos mais jovens, mais afastados dos eventos do Holocausto, são suscetíveis à negação e à distorção dele”, disse ao site News Nation Greg Schneider, vice-presidente executivo da Conferência sobre Reivindicações Materiais Judaicas contra a Alemanha (Claims Conference), uma organização que ajuda as vítimas do nazismo.
Em 2019, a organização representada por Schneider já havia feito um estudo que mostrava que quase um terço dos americanos acreditavam que menos de seis milhões de judeus haviam sido mortos no Holocausto, e que essa taxa era maior entre os millenials (pessoas que nasceram entre o começo da década de 80 e o final da década de 90).
O clima político no território americano também é outro fator que pode estar contribuindo para a banalização e a relativização do Holocausto, como aponta um artigo do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos. Em um país dividido entre democratas e republicanos, muitos políticos costumam realizar comparações exageradas e ofensivas entre a situação atual e a Alemanha nazista, ou entre algum político que faz oposição às suas ideias e o ditador Adolf Hitler.
As redes sociais também podem estar tendo um papel de destaque na disseminação de falsidades que podem fazer com que as pessoas, em especial os jovens, duvidem do Holocausto. Recentemente, uma pesquisa da Pew Research Center revelou que 32% dos jovens americanos entre 18 e 29 anos obtêm suas notícias diárias por meio do TikTok, que pertence à empresa chinesa ByteDance. A China, onde está localizada a sede principal da ByteDance, foi recentemente acusada de estar permitindo que o antissemitismo seja disseminado por sua internet, que é altamente controlada pelo regime comunista de Xi Jinping.
Em 2022,
a Pew apontou que os americanos com menos de 30 anos têm
tanta confiança nas informações encontradas em redes como o TikTok quanto nas das veiculadas por jornais
tradicionais.
Em novembro do ano passado, a Liga Antidifamação apontou que o TikTok tem estado repleto de conteúdo antissemita. Uma pesquisa da Generation Lab, uma empresa de inteligência de dados, citada pelo The Economist, revelou que os jovens adultos que usam o TikTok têm mais probabilidade de ter “crenças relacionadas ao ódio contra os judeus”.
O caso de Gidon Lev, um sobrevivente do Holocausto de 88 anos, é um exemplo que pode indicar o quão descontrolada está a disseminação do ódio contra os judeus na plataforma chinesa. Segundo a emissora americana Fox News, Lev usava o TikTok para fazer com que as gerações mais novas não se esquecessem do massacre perpetrado pelos nazistas.
No entanto, ele decidiu abandonar o aplicativo em dezembro, depois de ser alvo de uma enxurrada de comentários e mensagens de ódio, que começaram a chegar em seu perfil logo após os ataques do Hamas contra Israel. A situação o deixou tão assustado que ele começou a temer por sua segurança, noticiou a emissora americana. Grande parte dos ataques contra Lev consistia não apenas em antissemitismo, mas também em uma negação explícita do Holocausto, segundo informações do site USA Today.
Conforme noticiou a Fox News, antes de abandonar a rede social, Lev e sua esposa, Julie Gray, postaram um vídeo na plataforma se despedindo. No material, ele criticou os moderadores da empresa chinesa, acusando-os de “proliferar mais o mal do que bem”.
“Nós alcançamos milhões de jovens neste aplicativo. Teve seus desafios e às vezes cobrou um preço alto de nós dois. Mas também foi maravilhoso. Mas cada vez mais, com o tempo e definitivamente agora, está claro que a ByteDance/TikTok está causando muito dano a todos os usuários e criadores”, disseram eles, acrescentando que não poderiam “fazer parte de algo que causa mais mal do que bem. Então, por enquanto, para o nosso bem-estar coletivo, estamos nos despedindo”.
Por meio de um comunicado em seu site, o TikTok expressou preocupação com o aumento significativo de incidentes antissemitas e reafirmou que “ideologias de ódio como o antissemitismo são estritamente proibidas” em sua plataforma. A empresa afirmou que já havia removido mais de 900 mil vídeos que poderiam estar disseminando desinformação sobre o tema.
Para tentar reverter o quadro preocupante revelado pela pesquisa, alguns senadores americanos apresentaram um projeto no Senado dos EUA para reautorizar a Lei de Educação “Nunca Mais”, que estabelece um fundo federal através do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos para fornecer aos professores recursos e treinamento para que eles possam ensinar aos alunos as histórias e lições importantes do Holocausto. A lei, que foi aprovada em 2020, está prevista para expirar em 2025, e o projeto apresentado visa estendê-la até 2030.
“Falhar em educar os alunos sobre a gravidade e o alcance do Holocausto é um desserviço à memória de suas vítimas e ao nosso dever de prevenir tais atrocidades no futuro”, disse a senadora Jacky Rosen, do Partido Democrata de Nevada, que liderou a iniciativa. “Em um momento de crescente antissemitismo, reautorizar a lei bipartidária ‘Nunca Mais’ ajudará a garantir que os educadores tenham os recursos necessários para ensinar aos alunos sobre o Holocausto e ajudar a combater o ódio e o preconceito antissemitas”, completou.
A lei apresentada por Rosen conta com o apoio de senadores republicanos como Marco Rubio, da Flórida.