Em uma reviravolta política, a extrema-esquerda venceu o segundo turno das eleições legislativas na França, neste domingo (7), com a coalizão Nova Frente Popular (NFP), liderada pela radical França Insubmissa (LFI), de Jean-Luc Mélenchon.
O esquerdista, de 72 anos, é um veterano na política francesa e já ocupou diversos cargos públicos, iniciando sua carreira ainda na década de 1970, após se filiar ao Partido Socialista.
Foi ministro da Educação no governo do socialista Lionel Jospin, no final da década de 1990, mas deixou o partido em 2008 para fundar o Partido de Esquerda, do qual se demitiu em 2014.
Formado em filosofia, Mélenchon foi um trotskista radical na juventude e é considerado o nome de maior destaque da esquerda radical atualmente. Dono de uma retórica anticapitalista, seus discursos são marcados pela combatividade e um forte apelo nas pautas sociais.
Sua força política começou a crescer em 2012, após a primeira tentativa de chegar à presidência da França. Ele disputou o cargo em outras duas eleições – 2017 e 2022 – mas sem êxito, apesar de conquistar cada vez mais apoio dos franceses, principalmente dos mais jovens, que o acompanham nas redes sociais.
As principais propostas de Mélenchon envolvem a taxação dos mais ricos e a estatização de diversos serviços na França, questões que dividem até mesmo a própria esquerda no atual parlamento.
Em 2017, ele concorreu por uma plataforma que incluía taxar os ricos em 100% sobre renda acima de € 400 mil euros (R$ 2,3 milhões), reduzir a semana de trabalho para 32 horas e acabar com o uso de energia nuclear na França, responsável por quase 80% da eletricidade do país.
Além disso, nas eleições de 2022, fez promessas de se livrar do que chama de “monarquia presidencial”, o que concederia mais poderes à Assembleia Nacional.
Controvérsias na política externa
Admirador dos ditadores venezuelano Hugo Chávez e cubano Fidel Castro, Mélenchon também possui posições controvérsias na política externa, com destaque para a guerra no Oriente Médio, na qual tem sido um forte crítico de Israel, sendo inclusive acusado de antissemitismo por declarações públicas sobre o conflito.
O partido mais forte da coligação Nova Frente Popular, o França Insubmissa (LFI), do qual o político é líder, se recusou a condenar o Hamas como uma organização terrorista, mesmo após o massacre da milícia contra civis inocentes no território vizinho à Faixa de Gaza.
No ano passado, logo após a guerra ter início, o LFI de Mélenchon comparou Israel ao Hamas e disse que o governo israelense “tinha tanta responsabilidade quanto os extremistas pelo conflito”.
O líder esquerdista, por sua vez, se envolveu em uma declaração polêmica dias depois do conflito ter começado. Em 22 de outubro, Mélenchon disse que a presidente da Assembleia Nacional Francesa, Yaël Braun-Pivet, estava “acampando” em Tel Aviv para “encorajar o massacre”, enquanto fazia uma visita oficial a Israel para expressar “total apoio da França” ao país naquele momento.
Braun-Pivet acusou Mélenchon de usar propositalmente a palavra “acampando” devido à sua herança judaica.
Logo após os primeiros resultados eleitorais serem divulgados neste domingo, o líder de esquerda radical prometeu pressionar pelo reconhecimento de um estado palestino. “Teremos um primeiro-ministro da Nova Frente Popular. Poderemos decidir muitas coisas por decreto. No nível internacional, teremos que concordar em reconhecer o Estado da Palestina”, escreveu no X.
O LFI também recebeu fortes críticas por posicionamentos que destacavam estereótipos antissemitas e por menosprezar a ameaça do antissemitismo na França.
O governo francês informou que houve um aumento de ataques contra judeus no país desde a guerra entre Israel e o Hamas, incluindo mais de 360 incidentes nos primeiros três meses de 2024, um aumento de 300% em relação a 2023. Mélenchon classificou o antissemitismo na França como algo “residual”.
A vitória da extrema-esquerda gerou um receio para muitos judeus franceses, que consideram a retórica do bloco uma ameaça.
Uma pesquisa realizada pelo American Jewish Committee (AJC) na Europa apontou que 92% dos judeus franceses acreditam que a France Insumbimissa “contribuiu” para o aumento do antissemitismo. A comunidade judaica na França reúne mais de 500 mil pessoas.
Além do conflito, outras propostas polêmicas nas relações internacionais envolvem a possibilidade de saída da França da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), sob a justificativa de que a aliança militar é “dominada pelos EUA”, e da União Europeia, por discordância com políticas de auteridade.
O programa político de Mélenchon também prevê o veto a acordos internacionais de comércio e o fim do Banco Central Europeu, a fim de controlar totalmente a situação financeira da França.
A extrema-esquerda obteve 182 deputados e candidatos independentes alinhados ideologicamente com essa frente emplacaram outros 13.
O bloco Juntos, do presidente francês, Emmanuel Macron, que tinha a maior bancada na última legislatura, embora também sem maioria absoluta, conseguiu o segundo lugar, com 168 legisladores. Já o Reagrupamento Nacional (RN), partido de direita nacionalista comandado por Marine Le Pen, acabou em terceiro lugar, com 143 cadeiras, juntamente aos aliados.
O partido de centro-direita Os Republicanos obteve 45 assentos parlamentares, e outros candidatos independentes de direita somaram 15.
Com esse mapa político, a Assembleia Nacional ficará extremamente dividida e sem maioria absoluta de 289 deputados, inaugurando uma fase na qual a governabilidade da França está indefinida.