Erdogan protagoniza briga política com seu time do coração na Turquia

Por Milkylenne Cardoso
6 Min Read

No último domingo (7), o futebol profissional gerou uma cena
digna de várzea: após tomar um gol logo com um minuto de jogo, o Fenerbahçe
abandonou o gramado e seu adversário, o rival Galatasaray, comemorou o título
da Supercopa da Turquia.

Conhecido no Brasil nas últimas décadas devido aos
brasileiros que defenderam suas cores (o mais bem-sucedido foi o meia Alex,
ex-Coritiba, Palmeiras, Flamengo e Cruzeiro), o Fenerbahçe já havia adotado
como forma de protesto nessa partida a escalação do seu time sub-19, ao invés
da equipe principal.

“A nossa rebelião hoje, a nossa postura na Supercopa, não é
só pela data do jogo ou pelo que aconteceu no último jogo fora de casa. É hora
de um ‘reset’ para o futebol turco. Estamos num período em que o pântano precisa
ser drenado e o futebol turco precisa se reconstruir. Não há necessidade de
reinventar a roda”, afirmou o presidente do clube, Ali Koç, em um comunicado.

O episódio a que Koç fez referência foi a invasão de
torcedores do Trabzonspor após uma vitória do Fenerbahçe em jogo disputado no
mês passado. Jogadores do Fener, como é conhecido, foram agredidos. Outros
episódios de violência foram registrados no futebol turco na temporada
2023-2024.

O Trabzonspor foi condenado a mandar seis partidas com
portões fechados, mas a pena depois foi reduzida para quatro jogos. Essa
diminuição da punição e o fato de dois jogadores do Fenerbahçe terem sido
suspensos por um jogo pela briga deram argumentos ao Fener na sua alegação de
que é perseguido devido a pressões do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.

A inoperância da polícia durante a briga no jogo contra o Trabzonspor
e a suposta arbitragem tendenciosa (o clube pediu um árbitro estrangeiro na
Supercopa, mas não foi atendido) reforçaram ainda mais esse discurso.

A insatisfação é tão grande que a diretoria do Fenerbahçe
propôs aos sócios uma votação para que decidissem se o clube deveria deixar a
liga turca, mas o debate foi adiado pelo menos até o fim da atual temporada.

O Fener se diz perseguido por Erdogan devido às suas ligações com o kemalismo, tendência política que é o oposto do defendido pelo atual líder turco, que está no poder como primeiro-ministro ou presidente há mais de 20 anos.

O kemalismo foi criado por Mustafá Kemal Atatürk, fundador
da República da Turquia, em 1923. O movimento defende a separação entre
religião e Estado e a aproximação com o Ocidente, enquanto Erdogan buscou nas
últimas décadas misturar fé e política e se aproximar de outros países do
Oriente Médio (além de perseguir a imprensa e opositores).

No seu site oficial, o Fenerbahçe tem uma seção dedicada a explicar o amor de Atatürk pelo clube (ironicamente, Erdogan também é torcedor do Fener). Em março, o prefeito kemalista de Istambul, Ekrem Imamoglu, em campanha para a reeleição contra um candidato apoiado por Erdogan, visitou o clube e posou para fotos ao lado de uma estátua de Atatürk.

“Espero que esta eleição seja auspiciosa tanto para o nosso
país, como para Istambul e Kadiköy [distrito da maior cidade turca onde está
localizado o estádio do Fenerbahçe]. Será uma celebração da democracia e uma
eleição digna do nosso país. Os resultados eleitorais também serão auspiciosos”,
disse Koç na ocasião.

Imamoglu, que também foi recebido por dirigentes dos outros
dois gigantes do futebol turco, Besiktas e Galatasaray, foi reeleito.

Erdogan já havia entrado em atrito com seu time do coração
em dezembro, quando a Supercopa, que seria realizada naquele mês na Arábia
Saudita, foi cancelada e trazida de volta para a Turquia (em Sanliurfa, cidade onde
ocorreu o “não-jogo” do último domingo) porque os jogadores de Galatasaray e
Fenerbahçe foram impedidos de entrar em campo com camisas com imagens de
Atatürk e uma faixa alusiva ao fundador da República da Turquia.

Erdogan declarou que o comportamento dos dois times fazia
parte de uma manobra para “separar” a Turquia de “nações irmãs” por meio de “provocações
e retórica maliciosa”.

Como Erdogan é Erdogan, não se trata de amor desinteressado – em março de 2023, o Fundo Saudita para o Desenvolvimento assinou um acordo para depositar US$ 5 bilhões no Banco Central da Turquia e ajudar a combalida economia turca. Quem vencerá a queda de braço entre o esporte mais amado do mundo e o autocrata da Turquia?

Fonte: www.gazetadopovo.com.br

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