Passado o “halving” do bitcoin, que na noite de sexta-feira (19) cortou pela metade a remuneração dos mineradores da criptomoeda, o mercado de ativos digitais, agora, busca em protocolos de inteligência artificial (IA) e na digitalização de ativos das finanças tradicionais — a chamada “tokenização” — novas narrativas para atrair recursos e viabilizar investimentos.
Longamente esperado como presságio de forte valorização das criptomoedas, o halving de 2024 finalmente se concretizou às 21h09 (horário de Brasília) da sexta, com a “mineração” do bloco de número 840 mil. O evento, programado para ocorrer a cada 210 mil blocos emitidos (o que leva aproximadamente quatro anos), além de reduzir a remuneração e forçar a eficiência dos mineradores, diminui a “produção” de novas moedas, numa política monetária anti-inflacionária pensada com o objetivo de trazer escassez e de valorizar cada vez mais o bitcoin.
Tornada foco das atenções depois do lançamento de ferramentas como o ChatGPT, a inteligência artificial generativa é tida como uma tecnologia promissora em termos de intersecção com as soluções criadas no mundo dos criptoativos pela automação da busca de dados e originação de conteúdos e serviços.
Um dos projetos que chama a atenção dos analistas é o da Render, dona do token RNDR, cuja proposta é funcionar como uma rede distribuída de GPUs (unidades de processamento gráfico) que conecta quem precisa de poder computacional com quem possui este tipo de recurso.
Jorge Souto, gestor do TC Digital Assets, diz que inteligência artificial deve ser o setor que mais vai ganhar em termos de valor de mercado em cripto, mas alerta que como esse é o primeiro ciclo no qual a narrativa ganha força é difícil saber quais projetos irão sobreviver e quais se tornarão inviáveis. “Muita coisa é criada e pouca sobrevive”, afirma. Ele cita, no entanto, a Render como uma das apostas mais consolidadas dentro do setor.
Na mesma linha, Valter Rebelo, chefe de ativos digitais da Empiricus, defende que a narrativa de IA é a mais forte do setor cripto atualmente, e admite que possui três tokens ligados à tecnologia na sua carteira recomendada.
A tokenização de ativos reais, por sua vez, é uma perspectiva que atrai os bancos e investidores institucionais pois fala diretamente com as ineficiências e custos elevados do sistema financeiro omo está organizado hoje. “É algo que interessa muito ao mercado tradicional. Vamos ver cada vez mais nomes como [o CEO da BlackRock] Larry Fink falando de tokenização na televisão”, argumenta Souto.
Um dos exemplos neste cenário é a Pendle, uma plataforma que oferece rendimentos em tokens baseados em ativos do mundo real. Para Rebelo, o fato de uma plataforma assim existir no mundo das finanças descentralizadas (DeFi) já serve para que os investidores decidam usá-la, embora também não signifique que o projeto vá se consolidar como principal player do setor. “Se a BlackRock vai usar Pendle são outros 500, mas o mercado olha para a proposta e pensa em comprar pela tese de tokenização de ativos reais.”
Já André Portilho, chefe de ativos digitais do BTG Pactual, afirma que uma das principais narrativas para se atentar no pós-halving é a de construção de infraestrutura blockchain para viabilizar a criação de aplicações descentralizadas como a dos dois setores citados. “Nós ainda temos muita coisa a ser desenvolvida”, afirma.
Portilho acredita que apesar de o Ethereum, maior rede cripto em aplicação comercial no mundo, ter saído de moda nas recomendações dos analistas, ainda é um ecossistema com diversas possibilidades a serem exploradas. E um dos motivos para apostar no protocolo é o efeito que ele possui por ser o mais testado e conhecido para construção de contratos inteligentes.
“Há redes que podem performar melhor, mas não só por performarem melhor serão vencedoras. O Ethereum tem um efeito de rede muito grande com todas as suas segundas camadas. Precisa ter uma desculpa muito boa para desenvolver em algo que não seja Ethereum ou Solana.”
Para o setor cripto como um todo, a expectativa principal é pelo início do ciclo de corte de juros nos EUA, visto como um gatilho para o fluxo de capital para ativos de renda variável em geral. Rebelo destaca que os grandes investidores ainda não entraram em peso nos fundos negociados em bolsa (ETFs) de bitcoin das bolsas americanas, apesar de toda a valorização da principal das criptomoedas desde que estes produtos foram aprovados pela SEC (comissão de valores mobiliários dos EUA).
“O capital institucional não penetrou direito. O tíquete médio do investimento nos ETFs está por volta de US$ 13 mil a US$ 18 mil. Não é institucional de peso”, afirma. “Continuamos otimistas, mas o que vai ditar a valorização é a sinalização de corte de juros.”
Portilho também acredita que o cenário macro terá mais impacto para cripto do que alguns dos eventos mais específicos do setor, como é o caso do halving.
“O halving é um fetiche do mundo cripto. Hoje, se você compara a quantidade de novos bitcoins sendo emitidos com o volume do mercado à vista e como era esta relação em outros halvings, percebe que é uma realidade completamente diferente.”
O executivo do BTG avalia que o impacto da demanda causado pelo lançamento dos ETFs de bitcoin é muito mais relevante em termos de preço do que a diminuição da oferta futura provocada pelo halving.
Fábio Plein, diretor regional para as Américas da Coinbase, diz que o halving é importante para toda a indústria de criptomoedas por reforçar a escassez da moeda digital. Contudo, ele também vê fatores externos, tais quais a política monetária americana como algo que possui maior potencial de efeito nas cotações dos ativos digitais.