A crônica da morte anunciada de Navalny, o inimigo número 1 de Putin

Por Milkylenne Cardoso
6 Min Read

Blogueiro, advogado anticorrupção e ativista político que organizou os maiores protestos em Moscou desde a queda da União Soviética, Alexei Navalny, inimigo número 1 do presidente da Rússia, Vladimir Putin, morreu nesta sexta-feira (16) em uma remota prisão no Ártico.

“Vladimir, o envenenador”, foi como Navalny chamou o chefe
do Kremlin em fevereiro de 2021, durante o primeiro dos julgamentos nos quais
foi réu e que eram criticados pela oposição russa e pelo Ocidente.

Navalny foi o farol da primeira geração livre na história da
Rússia. O Kremlin estava tão ciente disso que, em meio à guerra na Ucrânia, a
Justiça russa impôs a última de suas sentenças, que somavam quase 30 anos de
prisão.

A prisão não impediu Navalny de condenar abertamente o que
ele chamou de “guerra criminosa” na Ucrânia, cujo único objetivo, segundo o
líder opositor, é permitir que Putin “mantenha o poder”.

Ele também criticou a mobilização parcial decretada pelo
chefe do Kremlin, cujo objetivo seria “envolver o maior número possível de
pessoas” na guerra e “manchar centenas de milhares de pessoas com sangue”.

Além disso, ele afirmou que “Putin está perdendo” o conflito
e previu “um grande número de mortes (…) no triturador de guerra”.

Navalny aproveitou a impopularidade do conflito para reviver
seu movimento político, banido como “extremista”, com o slogan “nenhuma guerra,
nenhuma mobilização, liberdade para Navalny”.

Após o envenenamento com Novichok, Navalny foi preso

A paciência do Kremlin com Navalny se esgotou em agosto de
2020. Na época, de acordo com a oposição extraparlamentar, as autoridades
russas teriam decidido eliminar o político russo.

“Putin ordenou meu assassinato”, disse Navalny após se
recuperar na Alemanha de um envenenamento com um agente tóxico da família
Novichok.

A operação secreta dos serviços especiais deu errado, e
Navalny conseguiu retornar à Rússia em meados de janeiro de 2021 para desafiar
Putin.

Mas o Kremlin estava esperando por ele. As autoridades se
aproveitaram de sua recusa em comparecer perante as autoridades em um antigo
processo criminal e o mandaram para a prisão.

Dessa forma, Putin se viu livre de outro inimigo, como
aconteceu com o então homem mais rico da Rússia, Mikhail Khodorkovsky, preso na
Sibéria (2003), ou com o líder da oposição Boris Nemtsov, assassinado em frente
ao Kremlin em 2015.

Navalny era a personalidade da oposição com maior peso
eleitoral, mas depois de ser vítima de uma tentativa de assassinato pelo
Serviço Federal de Segurança (FSB), ele se tornou uma celebridade no exterior.

Adepto das redes sociais, Navalny já estava preparando sua
vingança, que veio na forma de três vídeos comprometedores para o Kremlin.

Com a ajuda do Bellingcat e de vários veículos de comunicação
ocidentais, ele conseguiu coletar dados que provavam, segundo o político, o
envolvimento do FSB em sua tentativa de assassinato.

E não parou por aí, incluindo uma conversa telefônica com um
dos supostos participantes da operação secreta que admitiu que seus cúmplices
haviam borrifado Novichok na roupa íntima do opositor.

A última revelação polêmica de Navalny sobre o Kremlin foi
um vídeo intitulado “Palácio de Putin”, sobre uma mansão na região do Mar Negro
que o presidente teria ganhado de presente e da qual um de seus melhores
amigos, o empresário Arkadi Rotenberg, admitiu mais tarde ser proprietário.

Tudo isso não apenas expôs o FSB e Putin, mas também foi
assistido por mais de 150 milhões de pessoas, um número que contrasta com os 7
milhões que acompanharam a entrevista coletiva anual do presidente no mesmo
horário.

Um grito de guerra: “Rússia sem Putin”

Tudo começou no partido liberal Yabloko, do qual Navalny foi
expulso por suas opiniões nacionalistas. Mas seu ostracismo durou pouco, pois
nas eleições parlamentares de 2011, ele conseguiu organizar os maiores
protestos contra o governo desde a queda da URSS, com o grito de guerra “Rússia
sem Putin”.

No ano seguinte, ele deu o grande salto para a política ao
concorrer nas eleições para prefeito de Moscou, onde obteve quase um terço dos
votos, um marco sem precedentes para a oposição extraparlamentar.

A animosidade de Putin, que nunca o chamou pelo nome,
decorre das inúmeras ocasiões em que o líder opositor expôs vergonhas dos
aliados do Kremlin, denunciando-os nas redes sociais, longe do alcance da
censura.

Não havia tabus quando se tratava de denunciar a corrupção
na administração pública. Tanto para o primeiro-ministro, Dmitry Medvedev, o
presidente do Parlamento ou o de um banco estatal, para o procurador-geral ou a
esposa do porta-voz presidencial, o líder da oposição não era mais apenas um
incômodo, mas uma ameaça.

Ele foi condenado à prisão por supostos crimes econômicos, e
por isso inabilitado como candidato à presidência. Foi atacado fisicamente em
várias ocasiões. Mesmo atrás das grades, conseguiu influenciar as eleições com
seu programa “Voto Inteligente”, que consiste em escolher entre os candidatos
com maior chance de derrotar o candidato do partido no poder.

Pouco depois de pedir votos para qualquer candidato que não fosse Putin nas eleições presidenciais de março, Navalny foi transferido clandestinamente para a prisão do Ártico, onde morreu nesta sexta-feira.

Fonte: www.gazetadopovo.com.br

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