Divergências nas pesquisas criam polêmica sobre quadro eleitoral

Por Milkylenne Cardoso
15 Min Read

Elas sempre tiveram destaque e um peso importante em todas as campanhas. Mas, em meio ao interesse que desperta o pleito mais polarizado desde a redemocratização, a divulgação de pesquisas de intenção de voto no Brasil cresceu enormemente na atual corrida ao Palácio do Planalto. As sondagens, divulgadas com frequência quase diária, têm pautado o noticiário, agitado as redes sociais e influenciado as estratégias dos candidatos favoritos, o petista Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro. Na esteira desse fenômeno, multiplicaram-se também as polêmicas em torno dos resultados. Nas últimas semanas, levantamentos realizados em datas próximas mostraram a liderança de Lula, deixando, porém, um questionamento no ar: qual a verdadeira vantagem dele sobre Bolsonaro? A depender do instituto, ela varia de 6,1 a 21 pontos porcentuais (veja o quadro abaixo). Ou seja, algo completamente fora da chamada margem de erro. Nos cenários em que a distância é muito mais folgada, três institutos divulgaram recentemente trabalhos indicando a vitória do petista em primeiro turno, outra possibilidade que gera hoje uma enorme discussão.

arte pesquisa

Diante de resultados tão divergentes, os institutos têm a credibilidade posta em xeque a cada levantamento. A pressão dos bolsonaristas levou, na quarta 8, a corretora de investimentos XP a anunciar que passaria a divulgar mensalmente as pesquisas Ipespe que patrocina — antes, havia cinco previstas só para julho. A mudança veio depois da divulgação, na semana passada, de uma que mostrava que mais eleitores (35%) consideravam a honestidade um atributo de Lula, contra 30% de Bolsonaro. Enfurecidos com tal dado, políticos apoiadores do governo passaram a atacar a empresa, incluindo o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), e deram início a um movimento de boicote que assustou a companhia. Diversas reclamações chegaram por meio dos escritórios de gestão de investimentos, responsáveis por intermediar o relacionamento da XP com os investidores.

Em um grupo de WhatsApp usado por executivos de marketing desses escritórios para se comunicar com a corretora, a pressão foi forte. “Peço aos líderes da área para rever esse tipo de pesquisa. Sinceramente, não agrega em nada aqui na ponta”, disse um deles. A tensão permaneceu aguda no começo da semana, com uma discussão crescente entre agentes autônomos e os dirigentes da XP, até o anúncio da revisão da estratégia. O Prerrogativas, grupo de advogados que apoia Lula, divulgou nota repudiando a pressão. “Os seguidos ataques do presidente contra o TSE e o STF estenderam-se agora às pesquisas”, afirma o texto.

A controvérsia só ocorre nesse volume devido ao inegável peso dos resultados sobre as campanhas. Reservadamente, os marqueteiros dos candidatos admitem que elas têm um efeito considerável, principalmente sobre a militância. Para as suas estratégias, porém, dizem preferir as pesquisas internas. O argumento é que, a esta altura, interessa menos saber as intenções de voto e mais mensurar a aprovação dos atributos dos pré-candidatos e suas taxas de conhecimento e rejeição. É com base nisso que a campanha de Bolsonaro tem focado no eleitorado feminino, em que sua rejeição é mais intensa — as inserções do PL na TV têm mostrado o presidente cercado por mulheres.

A proliferação de sondagens (e de polêmicas, como a da XP) veio na esteira do salto no número de institutos. No passado, as pesquisas eleitorais eram realizadas por poucos institutos. Houve o tempo do Gallup e do Ibope. Depois, Datafolha e Ibope. Hoje, ao menos onze divulgam com regularidade os seus levantamentos para o público. O aumento foi provocado pelo interesse do eleitor e pela consequente ampliação de mercado, mas também pelo aprimoramento do método de consultas por telefone na pandemia e pela postura das instituições financeiras, que passaram a dar visibilidade a um material antes usado apenas para consumo interno. Praticamente, a metade é financiada por bancos e corretoras (veja o quadro).

arte institutos pesquisa

As respostas para as constatações divergentes envolvem vários fatores. O mais destacado é a forma de coleta dos dados, que pode ser presencial (por meio de visitas às casas dos eleitores ou de entrevistas em locais de fluxo de pedestres) ou por telefone (por entrevistadores ou robôs). Segundo o estatístico Neale El-Dash, doutor pela USP no tema e dono do site Polling Data, um agregador de pesquisas, as sondagens telefônicas alcançam cerca de 95% da população — os 5% restantes são os mais pobres, que não têm o aparelho. Já as presenciais têm dificuldade para chegar aos mais endinheirados, que moram em condomínios, na parcela da classe média que vive em prédios com porteiros e nas favelas com domínio do crime organizado — cerca de 20% da população. “Não é possível saber quais ‘buracos’ de cobertura são piores, os da presencial ou os da telefônica”, diz El-Dash. Resta aos institutos compensar esses “buracos” por meio da ponderação. Ela consiste em dar o peso que cada estrato da sociedade deve ter, proporcional à composição real da população em termos de sexo, renda, região, raça e religião.

Dentro do universo dos institutos mais tradicionais, o método presencial é o preferido. Responsável pelo Ipec, criado em 2021 por ex-diretores do extinto Ibope, Márcia Cavallari vê como vantagem a possibilidade de apresentar ao entrevistado um disco circular de papel com os nomes dos candidatos. “Eles são dispostos de forma a evitar que haja uma lista onde os que são colocados no topo tenham vantagem”, explica ela. Por telefone, a lista, que tem hoje onze pré-candidatos, precisa ser lida, ainda que a cada telefonema os nomes sejam embaralhados. Luciana Chong, diretora do Datafolha, não confia no método. “Quando você lê o quinto nome, a pessoa já não lembra os outros”, diz. Tanto Ipec como Datafolha realizam levantamentos presenciais, o primeiro em domicílios, o último em pontos de fluxo.

Um aspecto importante que ajuda a explicar a diferença nos resultados é o peso que cada instituto atribui aos diferentes segmentos. As empresas conseguem obter no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) informações recentes sobre recortes do eleitorado como sexo e idade, mas não há dados oficiais atualizados sobre renda — o último Censo do IBGE é de 2010. Para suprir a carência, o Datafolha utiliza pesquisas recentes feitas pelo instituto. Como elas mostram um empobrecimento da população maior do que o estimado por órgãos do governo, o peso atribuído às camadas mais pobres costuma ser maior do que o de outras empresas, o que influi no resultado, mas não é um problema quando há transparência, como é o caso. Outros fatores, como projeções exageradas e até mesmo a ordem das perguntas, também podem gerar diferenças. El-Dash conduziu estudos que indicam que as pesquisas presenciais trazem Lula com 5 pontos a mais, em média, que as feitas por telefone. Quem está certo? Difícil saber…

Um ponto adicional de divergência é se os entrevistadores perguntam ou não em quem o entrevistado votou na última eleição. Essa questão, de acordo com parte dos especialistas, serve como uma variável de controle da qualidade da amostra. Por esse raciocínio, se o universo for realmente representativo, as respostas a essa pergunta devem ficar próximas da votação de 2018 — 55% para Bolsonaro e 45% para Fernando Haddad (PT). Segundo o cientista político Antonio Lavareda, é possível que uma amostra atenda a critérios de sexo, renda, idade, entre outros, mas seja 90% composta de simpatizantes de Bolsonaro. “Esse é um dos elementos mais importantes que ajudam a explicar eventuais diferenças entre as pesquisas”, afirma. O diretor do Paraná Pesquisas, Murilo Hidalgo, discorda. “O entrevistado pode não lembrar em quem votou ou responder errado”, diz. Ipespe, Datafolha, FSB e Quaest estão entre as empresas que fazem essa pergunta. Paraná Pesquisas, Real Time Big Data, Gerp e outros, não.

Na teoria, há regras rígidas de controle para os institutos de pesquisa com atuação em eleições. Na prática, porém, o monitoramento é mais frouxo. Pela norma, as pesquisas devem ser fiscalizadas pelo Conselho Federal de Estatística (Confe), que verifica se os institutos e os estatísticos estão formalmente vinculados aos conselhos regionais. Mas o próprio presidente do Confe, Mauricio Pinho Gama, assume que a entidade não tem conseguido verificar de forma ideal as metodologias empregadas pelas empresas. Por isso ele deve pleitear junto ao TSE um maior detalhamento metodológico no momento do registro. “Nós estamos limitados”, admite.

Os levantamentos estão submetidos ainda a outros crivos, como o da Justiça Eleitoral. No início do processo de registro de uma pesquisa, ela exige o questionário que será aplicado, a metodologia, quem financiará e a data de divulgação, entre outros dados. Existe também o controle da concorrência, que fica alerta quando uma empresa apresenta resultados duvidosos. Foi o que ocorreu em 2017, quando a Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa (Abep) questionou o Paraná Pesquisas por uma sondagem feita de forma on-line. Segundo ela, 43,1% dos brasileiros eram a favor de uma “intervenção militar provisória”.

Na berlinda, o instituto criticou o questionamento e pediu desfiliação da entidade. O diretor da empresa, Hidalgo, é conhecido por ter relações e prestar serviços a vários políticos e partidos. Há poucos dias, o Paraná Pesquisas voltou a frequentar o noticiário por causa de um contrato de 1,6 milhão de reais firmado com o Ministério das Comunicações do governo Bolsonaro ao mesmo tempo em que divulga pesquisas presidenciais. “Foi uma licitação que contou com a participação de outras empresas e eu ganhei”, afirma Hidalgo. Em sua visão, há uma disputa pelo mercado político-eleitoral e ele tem ganhado espaço, o que o coloca no alvo da concorrência.

A questão do financiamento das sondagens é outro ponto relevante. Institutos que dizem ao TSE que estão realizando pesquisas com recursos próprios levantam suspeitas de que estejam sendo bancados por quem não quer aparecer. O Gerp, por exemplo, que diz custear seus levantamentos, já chama atenção no setor — foi o único a divulgar pesquisa que dá empate técnico entre Lula e Bolsonaro. Procurados por VEJA, os responsáveis pelo Gerp não retornaram os pedidos de entrevista.

Na gritaria a cada divulgação de resultados (que parte sempre de quem está em desvantagem, claro), são sempre lembrados alguns erros crassos, mais frequentes em eleições regionais. Um exemplo recente é o de Dilma Rousseff, que liderava a disputa ao Senado por Minas Gerais em 2018, com 28% na véspera da votação, segundo o Datafolha, e ficou em quarto, com 15,3%. Ou o de Wilson Witzel, candidato ao governo do Rio, também em 2018, que tinha 10% no Ibope um dia antes do primeiro turno, mas terminou com 41,3%.

Vale ressaltar, no entanto, que o índice de acerto desses institutos tem sido bastante elevado ao longo da história. No caso das eleições presidenciais, desde 1989, Datafolha e Ibope acertaram todos os dados de primeiro e segundo turnos nas pesquisas feitas na véspera ou na data do pleito. Em 27 de outubro de 2018, um dia antes do segundo turno, o Datafolha apontou que Bolsonaro teria 55% das intenções de voto, contra 45% de Haddad. A votação foi 55,13% a 44,87%. De acordo com estudos de Neale El-Dash, desde 1989, as performances médias foram piores em 2014 e 2018, quando havia grande polarização e alto número de indecisos até a véspera dos pleitos. Mas, mesmo nesses anos, os erros ficaram dentro da margem.

Apesar do histórico amplamente favorável, parte dos políticos tenta pôr algum freio na atividade. O Senado analisa um projeto que obriga as empresas a informar, na divulgação de seus levantamentos, o porcentual de acertos nas últimas cinco eleições. Também está em debate a intenção de impedir a divulgação de sondagens na véspera da votação. “É uma ideia cerceadora”, diz Lavareda, do Ipespe. “Essas pesquisas são fundamentais para quem quiser praticar o voto útil.” O projeto prevê ainda vetar bocas de urna. Exageros à parte, é razoável exigir uma depuração, com o aperfeiçoamento dos mecanismos de transparência, de controle e do rigor metodológico, de forma que ela não distorça o processo democrático (ou sirva como argumento para quem deseja fazê-lo). Os dados das pesquisas, de fato, representam um valioso retrato sobre o quadro político do momento e ajudam o eleitor a ter mais informações. E, na maioria esmagadora dos casos, o resultado final das eleições têm corroborado sua importância e credibilidade.

Fonte: a Veja.com

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