A assembleia de acionistas da Petrobras deve definir nesta quarta-feira (13/04) o seu novo conselho de administração e chancelar no cargo de presidente executivo José Mauro Ferreira Coelho, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para ser o terceiro líder da estatal durante o seu governo.
Os dois anteriores – Roberto Castello Branco e Joaquim Silva e Luna – perderam a cadeira após críticas de Bolsonaro à política da estatal que define o preço dos combustíveis vendidos às distribuidoras, hoje vinculados à flutuação do valor praticado no mercado internacional.
Mas a troca do presidente não deve esfriar o debate sobre a política de preços, que promete ser um dos temas da campanha eleitoral deste ano. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pré-candidato ao Planalto, usou o primeiro dia de propaganda partidária do PT na televisão neste ano, em 24 de março, justamente para criticar os valores praticados pela Petrobras e prometeu “abrasileirar” o preço dos combustíveis.
“Seu salário sobe quando o dólar sobe? Então por que a Petrobras está reajustando o preço dos combustíveis em dólar? O Brasil é autossuficiente em petróleo. E o custo do nosso petróleo é em real. Nos governos do PT, a gasolina, o gás e o diesel eram em real. Lutar para abrasileirar o preço dos combustíveis é um compromisso do PT”, afirmou Lula.
Já Bolsonaro, pré-candidato à reeleição, afirmou em 7 de março que a política de preços era resultado de uma norma “errada”. “Tem uma legislação errada feita lá atrás em que você tem uma paridade do preço internacional. Ou seja, o que é tirado do petróleo leva-se em conta o preço fora do Brasil. Isso não pode continuar acontecendo”, afirmou.
Uma semana depois, Bolsonaro disse que, por ele, a estatal poderia ser privatizada imediatamente, o que o livraria de críticas sobre a política de preços. “Muita gente me critica como se eu tivesse poderes sobre a Petrobras. Não tenho poderes sobre a Petrobras. Para mim, é uma empresa que poderia ser privatizada hoje. Ficaria livre desse problema”, disse.
Em março, a Petrobras promoveu um mega aumento do preço dos combustíveis, com reajustes de 24,9% no diesel e de 18,8% na gasolina, que reflete na inflação e tem potencial para afetar a popularidade do presidente. No mês passado, o preço médio do diesel nos postos estava 49% acima do praticado dois anos antes, e o preço da gasolina, 33% acima, já descontada a inflação.
Como funciona a política de preços
A Petrobras usa o Preço de Paridade de Importação (PPI) para definir o valor que cobrará dos distribuidores. Ele considera o preço dos combustíveis praticado no mercado internacional, os custos logísticos de trazê-los ao Brasil e uma margem para remunerar os riscos da operação. Como o preço no mercado internacional é em dólar, a cotação da moeda também influencia o cálculo.
Essa fórmula foi adotada no governo Michel Temer. Nos governos Lula e de Dilma Rousseff, a definição do preço considerava a variação do petróleo no mercado internacional, mas também os custos de produção de petróleo no Brasil. Dessa forma, a estatal segurava impactos de oscilações dos preços no mercado internacional para o consumidor interno.
Dependendo da diferença dos preços, porém, em alguns momentos essa política fazia a Petrobras lucrar menos do que poderia ou ter prejuízo por vender, no mercado interno, combustíveis por um valor abaixo do que ela havia pagado para importar, o que era desvantajoso para os acionistas.
O Brasil é autossuficiente em petróleo, mas não em combustíveis. Em 2021, o país importou 23% do diesel e 8% da gasolina que consumiu. Os importadores privados alegam que, se o preço cobrado pela Petrobras for abaixo do praticado no mercado internacional, eles não teriam incentivos para atuar. Nesse cenário, dizem, ou a Petrobras voltaria a importar e revender a preços mais baratos ou haveria desabastecimento.
Queda de braço
Os conflitos sobre quais interesses a Petrobras deve atender é antigo e decorre da história da empresa, fundada sob o mote nacionalista “O petróleo é nosso”, do fato de ser a maior companhia do Brasil, e do perfil de sua composição acionária, com peso cada vez maior de investidores privados que aportam capital em troca do recebimento futuro de dividendos.
O governo federal possui 50,3% das ações ordinárias da companhia, que dão direito a voto. O governo escolhe o presidente e a maioria dos diretores do Conselho de Administração da estatal e, portanto, tem grande poder para definir sua gestão.
Mas como a Petrobras é uma empresa de capital aberto, ela também tem obrigações com todos os seus acionistas, inclusive os privados. Das ações ordinárias, 41,5% pertencem a investidores estrangeiros e 8,2% a investidores brasileiros. Nas ações preferenciais, que dão direito a receber dividendos, mas não a voto, a participação dos investidores privados é ainda maior: 49,9% pertencem a investidores estrangeiros e 31,6% a investidores brasileiros.
O impeachment de Dilma teve como pano de fundo, entre outros motivos, escândalos de corrupção na Petrobras investigados pela Operação Lava Jato que revelaram grandes prejuízos à empresa. Em seguida, a posse de Temer e a eleição de Bolsonaro marcaram uma inflexão na política do governo para a estatal.
Mudança de rumo
Uma grande alteração promovida por Temer e mantida por Bolsonaro foi a nova política de preços, que tem duplo objetivo: aumentar a lucratividade da estatal, mas também criar condições para o funcionamento de um mercado privado e competitivo de refino, importação e distribuição de combustíveis.
O aumento da lucratividade foi alcançado. Em 2021, a Petrobras registrou o maior lucro de sua história, de R$ 106 bilhões, e anunciou que pagará R$ 101 bilhões de dividendos aos seus acionistas – 29% dos quais para a União. É a segunda maior distribuição de dividendos do mundo neste ano entre empresas petrolíferas, atrás somente da ExxonMobil, segundo levantamento da Economática.
A tentativa de criar um mercado privado e competitivo ainda está em andamento. A Petrobras segue com posição dominante e controla cerca de 80% do refino no Brasil. Ambos os governos, que tiveram à frente do Ministério da Economia Henrique Meirelles, Eduardo Guardia e Paulo Guedes, adotaram uma linha pró-mercado e de redução do tamanho da Petrobras, também com o intuito de atrair investimentos privados. Mas a chegada de capital novo para a construção de novas refinarias no Brasil não se concretizou em larga escala.
Nesse período, a Petrobras se desfez de diversos ativos, como a BR Distribuidora e refinarias como a de Mataripe, na Bahia, comprada pelo fundo de investimento árabe Mubadala. As novas regras também levaram ao crescimento do número de empresas importadoras de combustível no Brasil.
O que Lula propôs na propaganda do PT em março foi reorientar novamente a política de preço da Petrobras para considerar os custos internos de produção, o que voltaria a dar à estatal margem para praticar preços menores do que os do mercado internacional.
Qual é a proposta à esquerda
Deyvid Bacelar, coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), vinculada à CUT e próxima de Lula, afirma à DW Brasil que “não faz sentido” o mercado brasileiro utilizar o preço internacional dos combustíveis. Ele defende que a Petrobras modifique sua atual política sobre o tema para considerar os custos internos e amplie sua capacidade de refino para reduzir a necessidade de importações.
Ele menciona que o Brasil é autossuficiente em petróleo e que o custo total de produção no país, a partir do ponto em que começa a dar lucro, seria um dos menores do mundo, de 28 dólares por barril em 2021, atrás apenas do da Arábia Saudita. Nesta segunda-feira, o preço do petróleo tipo Brent foi negociado a 99 dólares o barril no mercado internacional.
A FUP afirma que, ao longo de 2021, as refinarias da Petrobras operaram com 75% a 80% da capacidade, e que teria sido possível obter a autossuficiência em gasolina e reduzir a importação do diesel se essa taxa tivesse sido maior. Neste ano, as refinarias da estatal estão operando com cerca de 90% de capacidade.
Esse ponto é respaldado por um estudo reservado da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, revelado no início de abril pelo jornal Folha de S.Paulo. Segundo o documento, a ampliação do refino dentro das capacidades da Petrobras poderia elevar a produção de óleo diesel em até 15%, reduzindo em 43% as importações líquidas, e faria o país autossuficiente em gasolina. Ao jornal, a Petrobras afirmou que havia “análises equivocadas” no estudo e que suas refinarias estavam operando “em sua capacidade máxima, considerando as condições adequadas de produção, segurança, rentabilidade e logística”.
Em relação à capacidade de refino, o levantamento da FUP aponta que a empresa investiu de 2003 a 2015, em média, 26,8 bilhões de dólares por ano. Em 2021, a estatal investiu 8,7 bilhões de dólares. Bacelar defende a conclusão de duas refinarias que tiveram suas obras interrompidas após a revelação de desvios bilionários pela Operação Lava Jato, a do Comperj, no Rio de Janeiro, e a segunda linha de Abreu e Lima, em Pernambuco.
Após a Lava Jato, a Petrobras contabilizou perdas de R$ 28 bilhões com o Comperj, que seria o maior projeto individual da história da estatal. No governo Temer, a estatal tentou firmar uma parceria com a chinesa CNPC para terminar a obra, mas o negócio não foi adiante. Em 2020, a empresa rebatizou o complexo de Gaslub Itaboraí e redirecionou seu foco para processar somente gás natural. A Petrobras também tentou vender a refinaria de Abreu e Lima, mas não houve interessados, e em novembro de 2021 anunciou que iria concluir as obras da segunda linha da unidade, com investimentos de 1 bilhão de dólares anuais até 2026.
Além de mudar a política de preços e aumentar a capacidade de refino, a FUP defende a criação de um fundo de estabilização de preços pelo governo, que seria financiado por um imposto sobre a exportação de petróleo cru, com alíquota variável de acordo com o preço do petróleo no mercado internacional.
“Não estou falando para a empresa dar prejuízo, é para ter lucro, mas menor do que tem hoje. A Petrobras reduziu sua capacidade de investimento, que poderia ser usado também na transição energética, e virou uma grande empresa que gera renda principalmente para investidores internacionais”, diz Bacelar.
Qual é a proposta dos importadores
Sérgio Araujo, presidente executivo da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), afirma à DW Brasil ser compreensível que tanto Lula como Bolsonaro estejam tratando do preço dos combustíveis neste momento, cujos preços “estão muito elevados, e isso está sacrificando o bolso da população brasileira”. “É um tema muito atrativo para os pré-candidatos.”
No entanto, ele defende a manutenção da atual política de preços da Petrobras como uma forma de garantir a viabilidade da importação por agentes privados e promover a atração de novos investimentos. “A economia brasileira caminha sobre rodas, e o investimento nesse setor se faz necessário”, diz.
Para a Abicom, a solução mais eficiente para a economia é precificar os combustíveis como as demais commodities, de acordo com a oferta e a demanda. “Subiu o preço do pão francês, do leite, do óleo de soja, e ninguém fica questionando. Com combustível, há usuários mais organizados, como os caminhoneiros e os taxistas, e acabam existindo contestações maiores. Mas o melhor para a economia é que os preços sejam definidos com base na oferta e demanda”, diz.
Araujo afirma ser “uma grande inverdade” que a capacidade instalada da Petrobras para refino seria suficiente para o atendimento da demanda interna e diz que, no mundo, as refinarias em geral trabalham a 85% a 90% de sua capacidade. Segundo ele, o “déficit estrutural” no setor decorre de um descompasso entre o aumento da demanda e da capacidade de produção de combustíveis.
Ele alerta que mudar a política de preços da Petrobras também provocaria prejuízos à própria estatal. O último presidente da empresa, Joaquim Silva e Luna, afirmou que o “tabelamento” dos preços pela estatal de 2010 a 2015 provocou prejuízo de 40 bilhões de dólares e fez a empresa se tornar alvo de 31 ações movidas por acionistas minoritários.
Em casos excepcionais, Araujo considera que o governo deve ter “sensibilidade” a aumentos abruptos nos preços de combustíveis e adotar uma política pública para amortecer as oscilações, mas com recursos do próprio governo, e não da Petrobras. Como alternativa, ele defende reduzir tributos ou criar um fundo de estabilização de preços, financiado com as receitas com royalties e de participação especial que o governo recebe pela exploração do petróleo no país.
Apesar de o tema ter entrado na pré-campanha eleitoral, Araujo diz não crer que Lula promoveria mudanças substantivas a respeito. “Não acredito que Lula, se eleito, vá mexer na política de preços da Petrobras. O partido já teve essa experiência em um passado não muito diante, durante o governo da Dilma, de artificializar o preço dos combustíveis, o que acarretou num prejuízo muito grande para a Petrobras”, afirma, mencionando reações de acionistas minoritários e redução do interesse da iniciativa privada de investir no setor. “Não acredito que o que está sendo debatido calorosamente na pré-campanha de fato se concretize, seja com o presidente Lula ou com o presidente Bolsonaro.”
Fonte: DW. brasil