Autoridades ucranianas anunciaram neste domingo (27/03), 32º dia da guerra na Ucrânia, que novas negociações começarão com a Rússia nesta segunda-feira, tendo como palco a Turquia.
O dia também foi marcado por tentativas de distanciamento do presidente francês, Emmanuel Macron, das duras críticas feitas por Joe Biden contra Vladimir Putin, por novos ataques a Kharkiv e Chernigov, por temores de novos bombardeios em Kiev e por anúncio unilateral de possibilidade de plebiscito na região de Lugansk.
A nova rodada de negociações na Turquia durará três dias, informou a chefe da delegação ucraniana, David Arahamiya, nas redes sociais. “Hoje, na rodada por videoconferência, as duas delegações decidiram realizar a próxima rodada pessoalmente na Turquia, de 28 a 30 de março”, destacou.
Por sua parte, o chefe da delegação russa, Vladimir Medinsky, confirmou a informação em seu canal oficial no Telegram, embora sem mencionar a Turquia. “Hoje aconteceu mais uma rodada de negociações com a Ucrânia por videoconferência. Com isso, foi decidido o encontro cara a cara”, escreveu Medinsky, embora tenha declarado que o encontro ocorreria de 29 a 30 de março.
Até agora, as duas partes se encontraram pessoalmente em três ocasiões – em 28 de fevereiro, 3 de março e 7 de março – em Belarus, enquanto no dia 10 aconteceu uma reunião em Antalia entre os ministros das Relações Exteriores de Rússia e Ucrânia, Sergey Lavrov e Dmytro Kuleba, respectivamente.
Desde então, as negociações têm ocorrido praticamente diariamente, por videoconferência, sempre no nível das duas delegações e grupos de trabalho.
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que tenta mediar um acordo, disse na sexta-feira que nas negociações entre Kiev e Moscou “pode-se dizer que há acordos em algumas questões”, especificamente em quatro dos seis pontos.
Entre estes, citou a desistência da Ucrânia em aderir à Otan, o reconhecimento do russo como idioma co-oficial, bem como concessões em relação à desmilitarização e “segurança coletiva”.
Por outro lado, segundo Erdogan, a Ucrânia não estaria disposta a negociar a cessão da Crimeia à Rússia nem a reconhecer a independência das regiões separatistas pró-russas de Donetsk e Lugansk, algo que o próprio presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, já deixou claro em várias ocasiões.
Medinsky afirmou que as negociações com a Ucrânia estão “se prolongando” por causa de Kiev e “não há progresso” nas questões-chave.
Kuleba, por sua vez, negou que Kiev e Moscou tenham chegado a um consenso sobre as principais questões sobre a mesa, enfatizando que a única língua oficial na Ucrânia é e continuará sendo o ucraniano.
Macron se distancia de falas de Biden
Macron buscou neste domingo se distanciar das falas do presidente americano, Joe Biden, que no sábado classificou Putin como “carniceiro” e disse que o russo não deveria permanecer no poder. Segundo Macron, “tudo” deve ser feito para evitar uma escalada neste conflito.
“Eu não usaria essas palavras”, disse o chefe de Estado francês à emissora de televisão France 3.
“Continuo conversando com o presidente Putin porque, o que queremos fazer coletivamente? Queremos parar a guerra que a Rússia lançou, sem fazer guerra e sem escalada”, ressaltou.
Nesse sentido, Macron enfatizou a importância de não cair nessa escalada, “nem em ação nem em palavras”, e defendeu meios diplomáticos para alcançar um cessar-fogo e a retirada das tropas russas da Ucrânia.
“Geograficamente, quem enfrenta a Rússia somos os europeus. Os Estados Unidos são um aliado no quadro da Otan com o qual compartilhamos muitos valores, mas quem convive com a Rússia somos os europeus”, lembrou.
O presidente francês, que desde o início da guerra mantém contato telefônico regular com Putin e Zelenski, afirmou que voltará a falar na segunda ou terça-feira com o líder russo para organizar “nas melhores condições” uma operação de evacuação de Mariupol, cidade situada no sul da Ucrânia.
Bombardeio em instalação de pesquisa nuclear
De acordo com fontes ucranianas, uma instalação de pesquisa nuclear em Kharkiv estava novamente sob fogo russo neste domingo. Os danos causados no instituto físico-técnico não puderam ser examinados por causa dos combates, disse a inspeção nuclear estatal.
De acordo com as informações, o instituto possui uma instalação de testes com fonte de nêutrons para fins de pesquisa e produção de radioisótopos para indústria e medicina. Ela já havia sido atacada. A Agência Internacional de Energia Atômica informou que a instalação contém apenas pequenas quantidades de material radioativo, que não é altamente enriquecido. Isso reduziria o risco de liberação de radiação em caso de danos.
Chernigov sem energia e água em meio a ataque russo
Chernigov, no norte da Ucrânia, ameaça tornar-se uma segunda Mariupol, cidade símbolo da resistência ucraniana, mas também da tragédia humana devido ao prolongado cerco que vem sofrendo.
“Devido à destruição da infraestrutura crítica e às hostilidades ativas na cidade de Chernigov, não há eletricidade, aquecimento e abastecimento de água. O gás funciona apenas parcialmente”, relatou o chefe da Administração Regional Militar, Vyacheslav Chaus. Ele acrescentou que os esforços estão em andamento para reparar os danos à infraestrutura crítica da cidade causados por “combates ativos”.
Por sua parte, o prefeito, Vladyslav Atroshenko, disse no dia anterior que “a cidade está em pedaços”. Ele acrescentou que mais de 200 civis foram mortos e quase 300 mil moradores fugiram desde o começo da a invasão russa. Os números não puderam ser verificados de forma independente pela DW.
Temores de novos ataques a Kiev
As forças ucranianas controlam a situação na capital e na região de Kiev, mas acreditam que a Rússia tentará quebrar a resistência novamente após se reagrupar em território belarusso, enquanto continua sua ofensiva no sul e no leste da Ucrânia, especialmente no Donbass.
“Várias unidades foram designadas para a área de Chernobyl – na região de Kiev – para posterior realocação para Belarus, com o objetivo de restaurar a capacidade de combate”, disse o Comando Geral das Forças Armadas da Ucrânia neste domingo.
“É possível que após a implementação dessas medidas, com o reagrupamento e fortalecimento das forças, os ocupantes retomem as ações de bloqueio de Kiev na direção sudoeste”, acrescentou.
O Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla em inglês), com sede nos Estados Unidos, concorda com esta avaliação.
“O Exército russo continua concentrando substituições e reforços em Belarus e na Rússia ao norte de Kiev, para lutar por posições nos arredores da capital e tentar completar o cerco e a captura de Chernigov”, afirmou o instituto.
Em sua última análise, o ISW ressaltou que “as atividades russas em torno de Kiev não mostram nenhuma mudança na priorização do alto comando russo dos combates em torno da capital ucraniana, que continua ocupando a maior concentração de forças terrestres russas na Ucrânia”.
Na região de Kiev, nas últimas 24 horas, houve mais de 30 bombardeios de tropas russas contra conjuntos habitacionais e infraestrutura social, segundo a Administração Regional Militar.
Desde o início da ofensiva militar russa, foram registrados danos em 34 das 69 comunidades da região. Mais de 500 alvos foram destruídos.
Apesar do anúncio da Rússia na sexta-feira passada de que se concentraria na libertação do Donbass, o ISW ainda não vê sinais de que esse seja o caso.
“A natureza cada vez mais estática dos combates em torno de Kiev reflete a incapacidade das forças russas mais do que qualquer mudança nos objetivos ou esforços russos neste momento”, completou o instituto com sede nos EUA.
A inteligência militar britânica, no entanto, contradiz essa análise. O Ministério da Defesa do Reino Unido disse hoje que “as forças russas parecem estar concentrando seus esforços na tentativa de cercar as forças ucranianas que estão enfrentando diretamente as regiões separatistas no leste do país, avançando do norte de Kharkiv e do sul de Mariupol”.
O chefe da Diretoria Principal de Inteligência do Ministério da Defesa ucraniano, brigadeiro-general Kirill Budanov, concordou com Londres.
“Após os fracassos perto de Kiev e a impossibilidade de derrubar o governo central da Ucrânia, Putin já está mudando suas principais direções operacionais para o sul e o leste”, afirmou o brigadeiro-general, segundo a agência Unian.
“Há razões para acreditar que ele está considerando um cenário “coreano” para a Ucrânia. Na verdade, esta é uma tentativa de criar a Coreia do Norte e a Coreia do Sul na Ucrânia. Afinal, [Putin] definitivamente não pode capturar todo o país”, frisou Budanov.
Em sua opinião, o Kremlin ainda está trabalhando no estabelecimento de um corredor terrestre para a península anexada da Crimeia a partir do Donbass, mas enfatizou que, por enquanto, está enfrentando a “inquebrável” cidade de Mariupol.
Ucrânia acusa Rússia de tentar dividir nação
O chefe da inteligência militar ucraniana, Kyrylo Budanov, também disse acreditar que a Rússia está tentando dividir a Ucrânia em duas, como aconteceu com as Coreias do Norte e do Sul após a Segunda Guerra Mundial.
“Os ocupantes tentarão colocar os territórios ocupados em uma única estrutura quase estatal e colocá-la contra a Ucrânia independente”, afirmou Budanov em comunicado.
Plebiscito em Lugansk
O líder da autoproclamada república separatista de Lugansk, Leonid Pasechnik, disse neste domingo que em um “futuro próximo” poderá ser realizado um referendo sobre a integração do território à Rússia, segundo informou a agência oficial russa “TASS”.
Em resposta, o governo ucraniano alertou que “nenhum país do mundo” reconhecerá o resultado de um referendo como o que pretende realizar Lugansk, pois, segundo Kiev, seria “ilegal”.
“Nenhum país do mundo reconhecerá a mudança forçada das fronteiras internacionalmente reconhecidas da Ucrânia”, disse um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia em sua conta no Facebook.
Kiev sustenta que uma consulta dessas características seria “ilegal” e que, se realizada, a Rússia enfrentaria uma “resposta internacional” mais contundente do que as sanções atuais e que “aprofundaria” seu isolamento.
Putin reconheceu a independência das autoproclamadas repúblicas de Lugansk e Donetsk em 21 de fevereiro, três dias antes de dar início à invasão na Ucrânia.
Milicianos pró-Rússia lutam desde 2014 contra o Exército ucraniano na região do Donbass, onde ficam Lugansk e Donetsk.
Com a presença de militares russos, a Crimeia realizou um referendo em 16 de março de 2014, no qual a população apoiou amplamente a incorporação do território à Rússia. A República da Crimeia proclamou sua independência no dia seguinte e dirigiu ao Kremlin um pedido de adesão, que Putin anunciou publicamente em 18 de março, uma decisão unanimemente condenada pela comunidade internacional.
Fonte: DW Brasil.