O crescimento do PIB no Brasil mais uma vez surpreendeu positivamente e deve haver revisões para cima ao longo do ano, disse o diretor de assuntos internacionais e de gestão de riscos corporativos do Banco Central, Paulo Picchetti, durante evento da FGV. “Mesmo tirando o agro, que vem sendo grande motor de crescimento, estamos vendo taxa de cresicmnto bastante resiliente e provavelmente vai levar a revisões de previsões de crescimento do PIB que estão agora em 2% [para 2024] e provavelmente vai um pouco para cima disso.”
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No lado da inflação, o diretor do BC afirmou que o setor de serviços está muito mais resiliente do que no passado recente. “Se a gente olhar para os núcleos [de inflação], [o setor de] bens industriais já ronda há alguns meses abaixo da meta, mas o núcleo de serviços [no BRasil] tem a mesma dificuldade que a gente vê nos EUA, decaindo, mas a taxas decrescentes e ainda acima da meta.”
O que preocupa o BC no momento é o descolamento adicional das expectativas de inflação para 2025, avaliou Picchetti.
“Se a gente olhar para o mercado de trabalho, as várias métricas mostram um mercado dinâmico e robusto e isso aparece nos níveis de emprego, com taxa desemprego em patamares historicamente baixos. E quando a gente olha em como se transfere para rendimentos, já está retomando a tendência de crescimento que tinha sido interrompido na pandemia.”
Sobre a taxa de juros neutra, o diretor do BC ressaltou que “a nossa taxa de juros real ex-ante, descontando a inflação esperada à frente, é historicamente alta em relação a economias avançadas, mas, em comparação a emergentes, não estamos entre as maiores e estamos até abaixo da maioria.”
Na visão de Picchetti, “a questão é porque temos uma taxa neutra tão alta”. O BC acrescentou o dirigente, “vai revisar esse número que temos usado no próximo relatório de inflação”.
A revisão das metas do arcabouço fiscal explica parte do descolamento de expectativas de inflação para 2025, afirmou Picchetti, durante o evento da FGV. Segundo o especialista, desde a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) houve piora na percepção do mercado sobre o risco fiscal.
O diretor citou o relatório pré-Copom que mostra essa deterioração de visão dos agentes. “Na avaliação do questionário dá para ver claramente que houve percepção de piora no cenário fiscal.”
Uma parte do descolamento das expectativas de inflação futura também recai sobre o cenário externo de incertezas sobre a política monetária do Fed. E um terceiro componente dessa desancoragem veio do ruído de comunicação do BC que aconteceu na última reunião do comitê, reconheceu o diretor da autoridade monetária.
“A narrativa da divisão dos votos acabou ganhando papel muito grande e, contra ela, o BC precisa reafirmar com ações e comunicações concretas [o compromisso com a convergência de inflação para a meta].”
Na última reunião, o Copom decidiu por um corte de 0,25 ponto percentual na Selic, para 10,50% ao ano. No entanto, quatro diretores, incluindo Picchetti, votaram por um corte maior, de 0,5 ponto, conforme havia sinalizado o BC anteriormente.
O diretor de assuntos internacionais reforçou as comunicações de outros pares de que “não existia e nem existe divergência quanto ao diagnóstico dos problemas e quanto ao compromisso de cumprir o mandato de atingir o centro da meta dentro do horizonte relevante de 2025”.
O diretor também admitiu que a autoridade tem um “desafio enorme” para recuperar a credibilidade. “Teremos que perseguir decisão após decisão [e mostrar] do nosso lado que vamos fazer o necessário para cumprir a convergência”, disse.
Picchetti citou ainda que, “no contexto de credibilidade [de política monetária] uma coisa que deve acontecer nas próximas semanas é sair o decreto da meta [de inflação contínua de 3% ao ano]”. O diretor do BC reiterou na sessão de perguntas e respostas que “nosso mandato é fazer cumprir a estabilidade de preços”.
O dirigente também avaliou que o episódio de divisão de votos foi um aprendizado. “Pela primeira vez temos um BC independente, com diretores com mandatos e indicados por governos diferentes. Tem um aprendizado e isso faz parte do processo do crescimento institucional que a gente quer.”
Tragédia no Rio Grande do Sul
A tragédia no Rio Grande do Sul terá algum impacto sobre preços e sobre produtos, afirmou Picchetti. “No caso dos fatores climáticos, se a gente não estava preocupado o suficiente passou a ficar [após a tragédia no Sul]”, disse.
Segundo o dirigente, as estimativas de impacto da catástrofe ainda são muito preliminares. No entanto, “é algo que nos preocupa no curto prazo”. Picchetti citou haver projeções que mostram perdas de R$ 40 bilhões a até dez vezes mais.
O custo do evento no Sul se junta às incertezas de curto prazo no país, com impacto sobre indicadores econômicos, apontou o diretor do BC.