O presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou nesta quinta-feira (6) que irá transferir para a Ucrânia um número não revelado de caças Mirage. “Amanhã [sexta, 7] nós vamos lançar uma nova cooperação e anunciar a transferência de caças Mirage 2000-5, feitos pela fabricante francesa Dassault, para a Ucrânia, e treinar os pilotos ucranianos na França”, afirmou em uma entrevista às TVs France 2 e TF1.
Sua fala ocorreu pouco depois de ele ter comandado um dia de festividades na Normandia, celebrando os 80 anos do Dia D, o desembarque aliado que abriu a frente ocidental na Segunda Guerra Mundial contra os nazistas.
A ação foi usada por Macron e, de forma mais direta, pelo presidente americano Joe Biden, para estabelecer um paralelo da luta contra as forças da Alemanha de Adolf Hitler nos anos 1940 com o apoio a Kiev contra a invasão russa de Vladimir Putin, iniciada em 2022.
Presente, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, foi aplaudido de pé quando Macron o saudou como exemplo de coragem que refletia as ações de veteranos do Dia D presentes ao evento na Praia de Omaha, o palco mais sangrento do dia 6 de junho de 1944.
O anúncio de Macron é algo surpreendente, apesar de o fornecimento já ter sido especulado algumas vezes, mas se encaixa na tradição francesa de buscar uma posição independente dentro da aliança militar liderada pelos EUA, a Otan.
Países da aliança chegaram a um consenso de que o caça americano F-16, que é bastante abundante em versões obsoletas no inventário europeu, seria a melhor escolha para os ucranianos. Zelensky disse repetidas vezes que precisava do modelo rapidamente para tentar manter afastados dos céus de seu países aviões de ataque de Putin.
Tanto foi assim que a Suécia, que negociava o envio de modelos Gripen que opera, e mesmo uma aliada distante, a Austrália, que cogitou dar antigos F-18 americanos aposentados, abandonaram a ideia em favor do F-16.
Há diversos óbices que levam alguma suspeita de propaganda por parte do francês. O Mirage 2000-5 é um caça de geração compatível com a do F-16, mais obsoleto, mas tem sistemas bastantes diferentes.
Isso obrigará, caso sejam enviados, Kiev a treinar seus pilotos em dois tipos distintos de avião, e formar um militar para voar um caça leva tempo, talvez um ano – desde 2023 há pilotos ucranianos sendo treinados pela Otan em F-16 na Romênia e na Polônia.
Outro ponto é a quantidade. A França ainda tem ativos 27 Mirage 2000-5, além de 67 Mirage B e D, modelos diferentes. A frota está sendo substituída paulatinamente pelos mais modernos Rafale, da mesma Dassault: Paris tem 95 deles na Força Aérea e 42, na Marinha.
Já apenas a promessa de Dinamarca, Noruega, Holanda e Bélgica de envio de F-16 já chega a 95 aviões. Os primeiros devem ser entregues no segundo semestre, mas esse é um calendário que já se mostrou bastante elástico.
“Há um desafio de capacidade. Por isso o presidente da Ucrânia e seu ministro da Defesa pediram a todos os aliados, 48 horas atrás numa carta oficial, que ‘nós precisamos que vocês nos treinem rapidamente e que façam isso no seu solo'”, disse Macron.
O francês ressaltou que os caças estarão autorizados a disparar mísseis contra o espaço aéreo russo. Mais cedo, numa entrevista à rede ABC, Biden, que não vai fornecer caças, disse que seus armamentos empregados contra a Rússia só podem ser usados em faixas fronteiriças, contra alvos militares.
Tudo isso é denunciado por Moscou como uma escalada na guerra, e envolvimento da Otan, mas Putin evitou bater de frente com os rivais, após semanas de ameaças nucleares.
Até aqui, apenas Polônia e Eslováquia haviam fornecido um número não revelado de caças para Kiev, mas eram todos modelos soviéticos MiG-29, já operados pelos ucranianos, dispensando treinamento.
O Mirage, um caça de extensa história na aviação militar famoso por sua asa em formato de delta, é um velho conhecido no Brasil. O país operou por 30 anos modelos 3, introduzidos nos anos 1970. De 2006 a 2013, voou 12 caças do tipo C e B comprados de forma emergencial do governo francês, enquanto decidia qual seria seu novo avião de combate.
Ele acabou sendo o sueco Gripen, mas em uma versão de nova geração, não a mesma que Estocolmo estudou dar para Zelensky. O avião voa no Brasil desde 2020, mas ainda em números reduzidos (7 operacionais, 1 de testes).