Janones quer distância de Bolsonaro e usa fama virtual para ser 3ª via

Por Milkylenne Cardoso
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Um candidato outsider, antissistema, que surfa na audiência de suas redes sociais. O primeiro desafio do presidenciável André Janones (Avante-MG), 37, é se livrar da imagem que espelha Jair Bolsonaro (PL).

O deputado federal afirma que não está apostando na mesma fórmula que elegeu o atual presidente, mas que deixou uma legião de arrependidos nos últimos três anos.

“Não é o mesmo modelo adotado pelo bolsonarismo porque eu não nego a política, eu sou político. Eu uso as redes sociais não como meio de fazer política, mas como meio de me comunicar. A política se faz na vida real”, diz à Folha.

Eleito com 178,7 mil votos para seu primeiro mandato, Janones afirma acreditar que pode chegar ao Palácio do Planalto em outubro e se coloca no bloco de candidatos que se opõem tanto a Lula (PT) quanto a Bolsonaro.

O carro-chefe de sua campanha é rechaçar a polarização e as ideologias para falar com a população sobre fome e emprego em vez de Escola sem Partido e armas. “Ao priorizar os debates ideológicos, que servem como cortinas de fumaça, não se enfrenta os problemas reais —ou porque tem rabo preso ou porque tem despreparo”, diz.

Janones afirma que a terceira via tem chances de ser ouvida e conhecida pela população. Para ele, a maior parte da intenção de votos de Lula e Bolsonaro é de eleitores envergonhados e sem opção, que podem migrar para outro candidato se acreditarem que ele é competitivo.

Em dezembro passado, Janones marcou 2% na pesquisa Ipec, pontuando à frente de Simone Tebet (MDB), Alessandro Vieira (Cidadania) e Felipe D’Ávila (Novo). No mesmo levantamento, João Doria (PSDB) também teve 2%; Ciro Gomes (PDT) aparece com 5% e Sergio Moro (Podemos) com 6%.

Janones quer chegar além dos 7,9 milhões de seguidores da sua principal rede social, o Facebook. Para evitar ser refém das redes e se distanciar do modus operandi bolsonarista, o deputado tem priorizado o mundo real ao virtual como estratégia eleitoral ao menos no início de sua campanha.

Desde que foi lançado pelo Avante, em 29 de janeiro, ele tem feito eventos com militantes do partido –já passou por São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Pernambuco. Espírito Santo e Goiás são os próximos destinos.

Janones busca se reunir com prefeitos e governadores e vai começar a contatar dirigentes partidários, embora sem esperança de formar alianças.

O número de seguidores demonstra aquilo que o presidenciável diz ser seu diferencial, a capacidade de dialogar com a população —habilidade reivindicada também por Lula e Bolsonaro.

Desde o segundo turno de 2018, Janones evita se posicionar entre o PT e Bolsonaro. “Não se constrói um país com divisões ideológicas diante de problemas reais. Estamos todos no mesmo barco e não podemos afundar!”, tuitou ao ser lançado para a Presidência.

O político procura transitar entre a esquerda e a direita, sem se definir em nenhum campo. Em 2018, afirma ter votado em Fernando Haddad (PT) contra Bolsonaro.

Promete dar comida e emprego e defende o pagamento de renda mínima, mas critica Lula e os escândalos do PT. Fala em combater a corrupção, em mudar o sistema e acabar com os privilégios da classe política e do Judiciário, mas tampouco poupa Bolsonaro.

“Nada do que está acontecendo é ‘surpreendente’ ou ‘inesperado’, lembrem-se sempre de que todos os sinais foram dados. Teve homenagem a torturador, teve fala racista, teve de tudo e, ao contrário do que se esperava não resultou em cadeia e sim em Presidência”, tuitou no último dia 9.

Janones afirma ainda que ser antissistema não significa ser antidemocrático, embora tenha flertado com o autoritarismo de caminhoneiros da greve em 2018. Foi por se tornar um dos porta-vozes do movimento, gravando lives na beira da estrada, que o então advogado catapultou suas redes e foi eleito.

O deputado se justifica afirmando que, naquela época, a manifestação saiu do controle dos caminhoneiros que protestavam pela situação econômica e descambou no golpismo. Janones diz ser um democrata, que abomina a ditadura e respeita as instituições, além de ter votado contra o voto impresso.

“Para mim, ser antissistema é ser contra o sistema vigente que deu resultados desastrosos, em que cada vez os ricos ficam mais ricos e os pobres, mais pobres. Isso não é nada democrático, é preciso mexer nas estruturas de distribuição de renda. Pegar essas pessoas que estão excluídas do debate político e ampliar a democracia, para que mais pessoas sejam ouvidas”, afirma à reportagem.

Ainda no esforço de se diferenciar de Bolsonaro e não ser tachado de aventureiro, Janones afirma que é possível fazer a comunicação direta com a população, a única parte boa que ele vê no presidente, e ser um estadista ao mesmo tempo.

“Se comunicar diretamente com seu eleitor, prestar contas, não obriga que você brigue com a imprensa, fuja de debates. Na verdade, Bolsonaro se escondeu atrás das redes sociais para camuflar sua incompetência”, diz.

“Eu nunca divulguei fake news, então estou tentando limpar o que Bolsonaro fez. O grande problema das redes é a falta de credibilidade”, segue Janones, que tem como público-alvo “a base da pirâmide”, como ele diz e da qual fez parte.

Filho de uma empregada doméstica e de um cadeirante, Janones foi cobrador de ônibus em Ituiutaba, sua cidade no Triângulo Mineiro. Dormia cerca de quatro horas para conciliar trabalho e a formação no direito.

Evangélico e frequentador da Igreja Batista da Lagoinha, Janones diz que “fé é algo pessoal que não se comunica com a vida política”. “Sou absolutamente contra essa mistura que o atual presidente tem feito. Eu sempre faço questão de separar a pessoa André Janones do deputado.”

Janones começou a ter notoriedade na sua região ao atuar de forma gratuita em ações contra o SUS e usar as redes para fazer pressão política. As lives em estilo informal são sua marca até hoje.

Depois de eleito, ele identifica quatro episódios que o alavancaram nas redes –o enfrentamento ao então presidente da Vale na CPI de Brumadinho; os discursos contra a reforma da Previdência; seu processo no Conselho de Ética da Câmara e sua campanha pelo auxílio de R$ 600, com lives que chegaram a 20 milhões de visualizações.

O Índice de Popularidade Digital, medido pela consultoria Quaest, mostra que Janones tem desempenho nas redes semelhante ao de Moro e Doria, mas atrás de Ciro, Bolsonaro e Lula. O IPD mede número de seguidores, engajamento, reações positivas e negativas, presença nas redes e volume de buscas sobre a pessoa.

Desde que assumiu, Janones já utilizou R$ 366,2 mil da verba parlamentar a que tem direito com a divulgação de seu mandato –o maior gasto foi de R$ 42,2 mil, repetido nos meses de novembro e dezembro passados.

Dentro desse valor total estão incluídos pagamentos ao Facebook por impulsionamento que somam R$ 88,1 mil. O deputado diz que seus gastos são transparentes, modestos se divididos em 38 meses de mandato e feitos para direcionar a divulgação de emendas a cidades mineiras.

O processo no Conselho de Ética, movido pelo Solidariedade, terminou arquivado e foi aberto pela fala inflamada do deputado nas redes, xingando seus pares.

“Minha obrigação principal aqui é tirar a sujeira debaixo do tapete, é mostrar que alguns canalhas aqui dessa Casa aqui, da Câmara dos Deputados, tentam fazer escondido de vocês. […] Para a gente fazer todo mundo ficar sabendo a pouca vergonha que esse vagabundos estão fazendo aqui”, disse na transmissão.

Membro da chamada nova política, mas crítico dela, Janones diz ser preciso recuperar o diálogo com o diferente, algo que a velha política sabe fazer e a nova, adepta do discurso do ódio, condena.

Janones, que militou no movimento estudantil com a UNE (União Nacional dos Estudantes), afirma que sempre quis entrar para a vida pública. “Sempre tive essa vocação, esse chamado, que para mim é algo pessoal de fé mesmo, de Deus.”

O deputado foi filiado ao PT até 2012, passou pelo PSC, onde disputou a Prefeitura de Ituiutaba em 2016 e terminou em segundo e, em 2018, se filiou ao Avante. Na primeira eleição, declarou R$ 511 mil em bens, incluindo reservas financeiras. Em 2018, declarou apenas R$ 175 mil em dois veículos.

A fase petista, afirma, foi fruto de um “idealismo” e terminou quando Janones se decepcionou com o pragmatismo e a falta de democracia interna.

“O PT traduzia esse sentimento de mudança de realidade. Era a representação perfeita dos sonhos de uma doméstica e de um cadeirante que nasce no interior de Minas e acredita que pode vencer na vida”, diz.

Fonte: Folha de S.Paulo.

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