Tecnologias como AI podem ajudar nas metas da ONU, diz presidente do Einstein | ESG

Por Milkylenne Cardoso
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A rotina do médico Sidney Klajner começa bem cedo. Por volta de 6h ele já está no hospital Albert Einstein na região do Morumbi em São Paulo se preparando para sua primeira cirurgia do dia. Mas, diferente da maioria do quadro de cirurgiões do complexo, boa parte de seu dia não é em uma sala esterilizada, mas sim no escritório da presidência da organização.

Como presidente desde dezembro de 2016, Klajner lidera hoje a expansão da rede fora de São Paulo. A Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, fundada em 1955, conta com 28 hospitais, ambulatórios particulares, clínicas de atenção primária, centro de reabilitação e medicina esportiva, medicina diagnóstica e outros, além de administrar outras 30 unidades do setor público. Também está no ensino de saúde, com 12 unidades de ensino. Na semana passada, inaugurou a quarta unidade de inovação, em Manaus (AM). O investimento em tecnologia e em inteligência artificial é constante e já tem rendido frutos, conforme contou Klajner ao Prática ESG.

Mas, como se não bastasse a jornada dupla no hospital, como médico e gestor, sendo este último cargo voluntário como toda a diretoria, Klajner é o primeiro brasileiro membro do conselho de administração do Institute for Healthcare Improvement (IHI), cargo que ocupa desde meados de 2023. O Einstein foi o primeiro parceiro estratégico na América Latina da organização sem fins lucrativos americana, em 2013.

Mais recentemente o executivo foi escolhido para ser o representante do programa Liderança com Impacto, do Pacto Global da ONU no Brasil do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 3 (Saúde e Bem-Estar), criado pelas Nações Unidas com o propósito de garantir o acesso à saúde de qualidade e promover o bem-estar para todos, em todas as idades.

Na conversa, feita em uma das salas de reunião do hospital no bairro do Morumbi, em São Paulo, Klajner contou, durante duas horas, como o grupo tem incorporado práticas ESG [ambientais, sociais e de governança corporativa] em suas atividades e seu papel, pessoal, à frente da promoção do ODS 3 no Brasil.

Leia os principais trechos da entrevista:

Prática ESG: Você acaba de ser escolhido como embaixador do ODS3 do Pacto Global no Brasil. O que isso significa, na prática?

Sidney Klajner: Antes de mencionar minha atuação no programa, é importante destacar que, hoje, a busca pela equidade em saúde nunca foi tão importante do ponto de vista global. São múltiplos os fatores que levam a iniquidades mas, destaco os impactos das mudanças climáticas na saúde humana e na sobrecarga dos serviços de saúde em todos os lugares. A OMS [Organização Mundial da Saúde] aponta ao menos nove riscos causados pelo aquecimento global, entre eles o aumento de problemas respiratórios – a poluição do ar mata 7 milhões de pessoas por ano, principalmente em países com menos recursos – e de casos de diabetes, hipertensão e obesidade, decorrentes do maior consumo de comidas processadas, fruto da escassez de alimentos saudáveis. E, sem dúvida, tudo isso afeta e afetará, principalmente, as populações mais vulneráveis, com pouco ou nenhum acesso a uma assistência à saúde de qualidade, a alimentos saudáveis e ao saneamento. Isso gera disparidades.

Prática ESG: E qual o papel das empresas neste contexto?

Klajner: Como Liderança de Impacto do ODS 3 tenho a missão de contribuir para que organizações comprometidas com as metas assegurem o direito humano à saúde. Também quero dar voz à importância de se pensar a saúde pelo viés da equidade. Ao eliminar disparidades no acesso, por meio de pilares como assistência, ciência, pesquisa, educação, inovação e tecnologia, poderemos avançar para reduzir desigualdades e fortalecer a formação de comunidades saudáveis, onde cada indivíduo tem oportunidades mais equânimes de prevenção e tratamento, independentemente de sua origem ou condição socioeconômica. Esse é um compromisso não apenas das organizações e sistemas de saúde, mas de todos.

Prática ESG: Por que, na sua opinião, o ODS 3 é prioritário na agenda climática?

Klajner: A população mais carente, que não tem acesso à saúde, alimentos de qualidade e saneamento básico é a de maior risco, que pode sair mais prejudicada. A grande maioria da população mundial não é coberta por nenhum sistema de saúde e, segundo a OMS [Organização Mundial da Saúde], três em cada dez pessoas no mundo não têm onde procurar atendimento médico. Mesmo nos Estados Unidos, por exemplo, 40% das famílias hoje estão com dívida com o sistema de saúde. Ou seja, os custos de atendimento e tratamento médico podem levar famílias inteiras a uma situação de pobreza, especialmente em regiões vulneráveis. E, mesmo diante disso, muitas empresas ainda estão mais focadas em quanto o preço da ação pode subir. Temos o papel de puxar a conversa sobre a importância dessa agenda na saúde e incentivar que outras organizações façam o mesmo.

Prática ESG: E como ampliar esse acesso das pessoas à saúde?

Klajner: Há uma revolução tecnológica acontecendo e que está levando mais equidade em saúde para a população. Já temos, porém, exemplos de tecnologias, telemedicina e inteligência artificial, que facilitam o acesso a atendimento médico especializado. Grande parte das nossas iniciativas do grupo visa trazer essa equidade. No Healthcare Improvement (IHI), onde temos quatro reuniões por ano com líderes do mundo todo, também discutimos. Temos baixo acesso à saúde e um grande problema com as mudanças climáticas pela frente.

Temos baixo acesso à saúde e um grande problema com as mudanças climáticas pela frente.

— Sidney Klajner, presidente do Grupo Albert Einstein

Prática ESG: Pode dar exemplos de desafios que a tecnologia pode ajudar a superar?

Klajner: O projeto SAMPa [Sistema Astuto para Monitoramento de Pré-natal], que busca resolver o problema da mortalidade materna, é um exemplo e tem relação com a primeira meta (3.1) do ODS 3 [reduzir a taxa de mortalidade materna global para menos de 70 mortes por 100 mil nascidos vivos até 2030]. Para a OMS, o máximo aceitável é de 30 mortes para cada 100 mil nascidos. Mas, em alguns lugares do Norte, no Amazonas, por exemplo, bate 150 mortes. O diagnóstico que temos é que falta pré-natal, falta obstetra especializado para maternidade de alto risco – muitas gestantes são adolescentes.

Prática ESG: E, neste caso, como a tecnologia foi usada para lidar com o problema?

Klajner: O que fizemos no projeto SAMPa foi criar um modelo de linguagem natural que usa inteligência generativa em uma base de mais de 2 mil artigos científicos, guidelines e diretrizes pré-natal. A AI ‘escuta’ a consulta do médico de família local com a gestante e sugere perguntas, assim como fornece conteúdo para a gestante. Praticamente ensina o médico de família a ser um obstetra especializado. Este projeto foi um dos 50 projetos escolhidos, entre mais de 1.300 analisados, para receber apoio financeiro da Fundação Bill e Melinda Gates no Grand Challenges, no ano passado. Ele pode ser feito para qualquer doença, em qualquer lugar no mundo onde o médico é escasso e/ou onde o paciente é carente; é escalável.

Prática ESG: O Einstein acaba e abrir um centro de pesquisa e inovação na Amazônia. E, inclusive, um dos movimentos do Pacto Global da ONU no Brasil que o grupo é signatário e se compromete com metas, é o Impacto Amazônia. Qual o interesse pela região?

Klajner: A Amazônia é um caldeirão. Manaus (AM), por exemplo, tem um dos piores IDHs [Índice de Desenvolvimento Humano] entre as capitais do país. Dentre as nossas ações de sustentabilidade, em 2019, recebemos uma doação de uma pessoa da comunidade judaica de Manaus para capacitar toda a equipe de atenção primária de saúde do município. A gente tem uma distribuição muito precária de médicos pelo Brasil. Acima do Sudeste [Norte e Nordeste, em especial], a concentração de médicos diminui muito [Amazonas tem 1,54 médicos por 1.000 habitantes, a quarta menor proporção entre os Estados], ainda mais a de especialistas, como os obstetras que falamos. Nada é mais importante do que atuar onde é necessário. Então, o centro de inovação é um projeto que cabe muito lá por conta da oportunidade de causar um impacto grande na saúde daquela região. Além disso, vimos outra oportunidade no fato de o município concentrar mais de 600 empresas, especialmente na Zona Franca, a exemplo da indústria de eletroeletrônica. Com isso e a biodiversidade local, é uma região que pode ser um centro de biotech para novas drogas e um ambiente muito rico de desenvolvimento.

Prática ESG: Em quais outras áreas as tecnologias já existentes podem ser aplicadas?

Klajner: Quando a gente fala, por exemplo, de inovação de projetos de pesquisa, eu preciso pensar em escalabilidade e a oportunidade de ter impacto. A tecnologia ajuda nisso. Por exemplo, há um problema nos estudos clínicos. É difícil atrair a população para um centro de pesquisa. Assim, as pessoas que moram distantes ou que não têm como deixar os filhos para participar acabam ficando de fora. Um levantamento americano mostrou, por exemplo, que 95% da população que participou de estudos de novas drogas é branca. Não é possível saber, dessa forma, como o medicamento para a mesma doença vai agir em pessoas pretas, por exemplo. E o Brasil tem uma miscigenação bem alta da população. Pensando nisso, no nosso setor de inovação, temos uma startup que desenvolveu um aplicativo de pesquisas clínicas onde os pacientes podem colocar as informações de sintomas e, só precisam se deslocar uma vez por mês para coletar sangue. Estamos fazendo isso em um estudo sobre o impacto das alterações de colesterol nas doenças de hipertensão ou complicações de doença cardiovascular. A plataforma, chamada Real World Data, ou Real World Evidence, tem uma base de dados que nem o SUS [Sistema Único de Saúde] tem.

Prática ESG: O Einstein tem um longo histórico de parcerias com o setor público, certo?

Klajner: Sim, nós temos projetos para o setor público em todas as regiões do Brasil, por meio do PROADI-SUS [Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS] e parceria com Ministério da Saúde. O número de pacientes atendidos é maior na rede pública do que particular. São cerca de 261 mil pacientes dia nas unidades públicas e 232 mil nas privadas. Só no Hospital Municipal da Vila Santa Catarina, em São Paulo, chegamos a fazer 64 mil em 2023 e mais de 3.300 cirurgias oncológicas. No particular são 745 leitos; no público, 892. Quando inauguramos o hospital em Goiânia, em novembro passado, também assumimos a gestão do Hospital Municipal de Aparecida de Goiânia. Em questão de poucos conseguimos zerar os casos de úlcera de pressão na UTI e de mortalidade infantil, e a fila de atendimento baixou para um nível de ocupação de 70% do hospital, porque a resolutividade passou a ser maior.

Prática ESG: Sempre com investimento compartilhado?

Klajner: Em algumas iniciativas que achamos relevantes e que não estão no âmbito da parceria, como essa da plataforma de pesquisa clínica que citei, nós mesmos que investimos, custeamos. Outro exemplo é o Programa do Parto Adequado, que busca valorizar o parto natural e reduzir o percentual de cesarianas desnecessárias. Nós investimos, mas também contamos com a parceria do Institute for Healthcare Improvement (IHI), da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e apoio do Ministério da Saúde.

Prática ESG: Que benefícios o senhor vê que empresas têm ao ajudar o setor público:

Klajner: Além de poder fazer a diferença, quando o Einstein expande na área pública, dá oportunidade para nossos profissionais também se desenvolverem. Isso aumenta o engajamento e a retenção. Ao abrir um hospital novo na Bahia, por exemplo, tenho que recrutar gente daqui para ir para lá treinar as pessoas contratadas localmente. Isso faz com que a gente cresça em expertise de gestores. É esperada a inovação e padrão de gestão que temos no particular.

Prática ESG: O grupo é também bastante engajado com a comunidade de Paraisópolis, em São Paulo. Por quê?

Klajner: Dentre as 30 unidades que a gente tem em parceria com a prefeitura, várias estão dentro de Paraisópolis e grande parte das nossas iniciativas de formação de pessoas, cursos profissionalizantes, oficinas de jornalismo, fotografia, dança, manicure e culinária, assim como o programa de inclusão de transgênero, também focamos em oferecer para os moradores do bairro. O atendimento médico em Paraisópolis começou antes mesmo do hospital abrir as portas. A proximidade, de 3 quilômetros, da sede no Morumbi, claro, foi o principal motivador. Queremos dar condições para as pessoas de lá mudarem de vida. A gente se sente realmente responsável pela comunidade. Além disso, também oferecemos bolsas de estudos a 40% dos alunos do nosso ensino técnico aliado ao ensino médio, alguns que vêm de lá.

Fonte: valor.globo.com

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