Um grande mistério na Argentina é que atividades são
desenvolvidas numa base espacial da China localizada na província patagônica de
Neuquén.
A estação começou a ser construída (numa área cedida à China
por um período de 50 anos) em 2014, quando Cristina Kirchner era presidente, e foi
concluída em 2017.
Os Estados Unidos sempre desconfiaram que essa base tivesse
objetivos militares: em 2019, numa audiência no Congresso americano, o
almirante Craig Faller, então chefe do Comando Sul dos EUA, manifestou essa
preocupação e lembrou também das amizades chinesas com ditaduras
latino-americanas (Cuba, Nicarágua e Venezuela).
“Pequim pode estar violando os termos do seu acordo com a
Argentina de conduzir apenas atividades civis e pode ter a capacidade de
monitorar e potencialmente atingir atividades espaciais dos EUA, aliados e
parceiros”, alertou.
Os americanos agora pressionam o novo presidente argentino,
Javier Milei, para que tome providências sobre a base. A primeira cobrança veio
do embaixador americano em Buenos Aires, Marc Stanley, em entrevista ao jornal
La Nacion no final de março.
“Em relação aos chineses, surpreende-me que a Argentina
permita que as Forças Armadas chinesas operem em Neuquén, secretamente, fazendo
sabe-se lá o quê”, afirmou.
“Soube que são soldados do Exército chinês que operam este
telescópio espacial, não sei o que fazem, acho que os argentinos também não
sabem, e eles deveriam saber por que os chineses estão alocados lá”, disse
Stanley.
A base espacial foi um dos temas de uma conversa de Milei com
a general Laura Richardson, chefe do Comando Sul americano, numa reunião
realizada nesta quinta-feira (4) em Ushuaia, capital da província da Terra do
Fogo.
Antes mesmo da reunião com Richardson, porém, o governo
Milei já havia sinalizado que pretende questionar a China sobre a base em
Neuquén.
Esta semana, uma fonte de alto escalão da Casa Rosada disse
ao site Infobae que o governo argentino cogita solicitar uma inspeção técnica na
base espacial chinesa.
Segundo esse funcionário, o objetivo é “analisar se há algo
estranho com a base de Neuquén”. “Os contratos podem ser revisados”, afirmou,
lembrando que o convênio estipula “que 10% dos recursos da base devem ser
utilizados pela Argentina e é isso que queremos verificar se está sendo
cumprido”.
Porta-voz e Milei confirmam intenção de inspecionar base
A cobrança pública do embaixador americano incomodou setores
da gestão Milei. “Não sei por que às vezes o embaixador faz estes comentários, acho
que estas questões já foram discutidas e estão claras”, declarou esta semana o
ministro do Interior, Guillermo Francos.
Francos afirmou que os comentários de Marc Stanley são “suas
opiniões particulares”, mas garantiu que a base chinesa em Neuquén – um
“assunto delicado”, afirmou – “certamente tem sido tema de conversas [dos
Estados Unidos] com o governo argentino”.
O porta-voz da presidência, Manuel Adorni, disse na
quinta-feira que a gestão Milei não tem conhecimento “de objetivos militares na
base”. Porém, confirmou que uma inspeção técnica está sendo cogitada.
“Com relação à base chinesa, é claro que o convênio está
sendo analisado, de forma clara. É um convênio que, vocês sabem muito bem,
dentro da multiplicidade de questões que a herança [do governo anterior, de
Alberto Fernández] nos trouxe, esse convênio está dentro da herança”, afirmou
Adorni.
“Entendemos que atividades científicas estão sendo operadas
naquela base e, nesse caso, será avaliada [a possibilidade de] fazer as
auditorias ou a fiscalização correspondente posteriormente”, acrescentou o
porta-voz.
No mesmo dia, Milei também abordou o assunto em entrevista à
Bloomberg News. “Estão começando as negociações para auditar e inspecionar
isso, porque os chineses dizem que não é o caso [supostos fins militares]. A
situação será estudada”, disse o presidente.
Em comunicado, a Embaixada da China na Argentina alegou que
a base de Neuquén é uma instalação de cooperação tecnológica espacial entre a
China e a Argentina sem fins militares.
“Ao invés das mencionadas atividades militares, cientistas
da Argentina e da China têm acesso ao uso desta estação para pesquisas
científicas”, alegou a representação chinesa.
“Além de oferecer serviços de medição e controle para o
projeto aeroespacial da China, graças à coordenação da Conae [Comissão Nacional
de Atividades Espaciais da Argentina], esta estação também trabalha em conjunto
com organizações e empresas de diversos países na exploração espacial. O
governo local e as escolas de Neuquén também utilizam esta estação como lugar
de divulgação do conhecimento espacial”, afirmou a embaixada no comunicado.
A representação da China argumentou ainda que em 2019 o
Ministério das Relações Exteriores da Argentina e a Conae coordenaram uma
visita de delegações diplomáticas ao local, “incluindo a dos Estados Unidos”, e
que um documentário sobre a estação produzido pela parte argentina no mesmo ano
teve “ótima repercussão”.
“Tudo isto demonstra plenamente o caráter civil e o modelo de operação aberto e transparente da referida estação”, justificou a embaixada.