Tons brilhantes de azul, rosa e vermelho foram vistos nos céus de países vizinhos ao Brasil, como Argentina e Chile, na última sexta-feira (10), surpreendendo a população. O fenômeno foi causado por uma aurora austral, evento similar à aurora boreal, que é considerada rara. O Brasil, no entanto, não foi atingido — e, se fosse, o mundo inteiro deveria se preocupar.
A aurora boreal e a austral são eventos similares, mas acontecem em localidades diferentes: enquanto a boreal acontece no Polo Magnético Norte, a austral afeta o Polo Magnético Sul. As duas são causadas pelo aumento da atividade geomagnética, também chamada de tempestade solar ou erupção solar, que impacta no campo magnético da Terra.
Nesses eventos, há uma interação entre o material ejetado pelo Sol que vem em direção à Terra, a atmosfera e os campos magnéticos do nosso planeta. Quando essa atividade aumenta e entra na órbita da Terra, a aurora é visível em latitudes mais baixas, como foi no fim de semana passado, explica ao Valor Erica Grow Cei, meteorologista da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA).
Na sexta, milhares de pessoas viram o céu mudar de cor. Isso aconteceu porque uma tempestade solar, que é o aumento na emissão de partículas pelo Sol, atingiu a Terra.
Na Argentina, a tempestade solar foi de categoria G5, segundo o Serviço Meteorológico Nacional argentino. As tempestades solares têm os impactos caracterizados em cinco níveis, sendo G1 as tempestades de nível mais fraco à G5, mais intenso.
A abrangência do fenômeno chegou aos países vizinhos às terras brasileiras porque estamos no pico do Ciclo Solar 25, que deve durar até o primeiro semestre de 2025. Ciclos solares são períodos de atividade magnética solar que cria manchas solares. Essas manchas, por sua vez, representam intensa atividade magnética capaz de produzir erupções solares e ejeções de massa coronal e podem durar vários anos, segundo a NOAA.
Isso significa que a chance da aurora ser visível novamente em latitudes mais baixas em 2024 é maior do que era quando o ciclo solar estava em seu mínimo em 2020, explica Cei.
O fenômeno chegou a ser visto em uma região de fronteira com o Brasil, no Uruguai, em uma cidade a apenas 100 km de Chuí, no Rio Grande do Sul, mas o colorido do céu que atingiu países vizinhos não chegou ao Brasil, segundo informou a MetSul, que atua na região Sul brasileira.
A localização do Brasil, porém, impacta diretamente o recebimento desses eventos, já que está distante dos pontos magnéticos do Polo Sul e Polo Norte e localizado em uma área conhecida como Anomalia do Atlântico Sul, que é um enfraquecimento do campo magnético da Terra sobre a região do sul do Brasil e parte do Oceano Atlântico, explica Gabriel Hickel, doutor em astrofísica e professor do Instituto de Física e Química da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI).
Para acontecer no Brasil, o evento teria que ser “muito fora de escala”, já que o país está em uma região tropical perto do Equador geográfico e magnético, ou seja, longe dos polos magnéticos Sul e Norte, o que tornaria difícil um evento assim.
“Um evento extremo poderia comprimir o campo magnético da Terra a tal ponto que essas partículas presas na anomalia fossem, nessa compressão, encostar na atmosfera da do planeta. Nessa situação, poderiam formar auroras na região da Anomalia do Atlântico Sul. Mas para acontecer isso é uma vez a cada mil anos e olhe lá”, enfatiza.
O evento teria que ter uma energia tão intensa que “ainda não se presenciou na Era Moderna”, diz Hicker. Os últimos relatos de um evento desse nível, com uma grande tempestade solar, foi mais ou menos no ano de 774 ou 775 depois de Cristo, quando aconteceram tempestades fortes que podem ter gerado auroras, comenta o professor.
A presença de auroras nesse fato, no entanto, não é confirmado, já que não há relatos contundentes sobre o acontecimento. O entendimento parte de análise de alterações de conteúdo de material radioativo, como carbono 14, que estão ligados às partículas que vem do Sol, descreve o professor.
“Em um evento como esse, poderíamos presenciar auroras no Brasil, mas não há como prever um acontecimento desse porque a compreensão de como funcionam as explosões do sol ainda não é completa. Temos uma frequência estimada pelos registros arqueológicos que vamos encontrando nas camadas sedimentares do solo”, diz.
Se acontecesse no Brasil, mundo estaria em apuros
No Brasil, um acontecimento como este poderia gerar graves consequências em toda a Terra. Isso porque, caso acontecesse um episódio raro de aurora no país, os impactos seriam desastrosos para o mundo inteiro — não por causa da aurora e nem por causa do país.
Como para o Brasil ter uma aurora seria preciso uma tempestade solar muito forte, essa erupção causaria problemas no funcionamento de eletrônicos em todo o mundo, explica Gabriel Hickel, doutor em astrofísica e professor do Instituto de Física e Química da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI).
“As flutuações que isso gera dentro do campo magnético induzem eletricidade dentro dos aparelhos eletroeletrônicos. Isso certamente causaria a queima de praticamente todos os aparelhos eletrônicos que estão na superfície da Terra, como celulares e computadores”, enfatiza.
Esse foi o caso do Evento Carrington, em 1859, em que foi observada uma explosão do Sol que causou problemas em telégrafos, que eram, à época, o “suprassumo da tecnologia”, segundo o professor. Mesmo nesta ocasião, também não há relato de auroras no Brasil. A explosão impactou o campo magnético da Terra e causou auroras recordes, que foram vistos em Santiago, no Chile e em Montevidéu, no Uruguai.
“Telégrafos, que eram baseados em bobinas eletromagnéticas, com a indução causada pelo evento, se sobrecarregaram e acabaram pegando fogo”, explica.