Opostos no campo ideológico, o PT do presidente Lula e o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro entraram no mesmo barco da candidatura do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) à presidência da Câmara.
O cenário, embora soe estranho, não é inédito. Foi assim também em 2023, na reeleição de Arthur Lira (PP-AL).
Hugo Motta, não por acaso, é justamente o candidato de Lira para a sucessão. E se tornou o favorito, quase presidente eleito, ao reunir nesta semana o apoio de partidos de esquerda, centro e direita.
Mas, afinal, o que funcionou como amálgama para juntar dois partidos tão antagônicos?
Há dois motivos principais:
a disputa sobre o projeto de lei da Anistia;
o favoritismo em torno da chapa de Motta.
Esses dois pilares, no entanto, estão diretamente relacionados – e o abalo em um pode desconstruir o outro
Expectativa sobre o projeto da anistia
Um dos fatores é a expectativa diferente das duas legendas sobre um tema polêmico: a anistia aos golpistas do 8 de janeiro de 2023.
O tema, aliás, pode levar a rusgas logo no começo do mandato do novo presidente, caso Hugo Motta confirme o favoritismo.
Motta tem dito que não assumiu compromisso, e que há bons argumentos nos dois polos da discussão.
Nos bastidores, porém, o que se ouve no PT e no PL é que as duas legendas esperam um apoio de Motta às suas posições – o que tende a frustrar, pelo menos, um desses lados.
O PT espera que Hugo Motta enterre de vez o projeto que concede anistia plena aos golpistas do 8 de janeiro. O texto é considerado inconstitucional por juristas.
O PL, por sua vez, espera exatamente o contrário: que Motta coloque a proposta em votação para beneficiar bolsonaristas condenados e presos pela tentativa de criar um caos em Brasília na transição do governo Jair Bolsonaro para o governo Lula.
Adversários de Lira e Motta apostam, inclusive, que essa briga vai acontecer mais cedo que o previsto – antes mesmo da eleição do novo presidente da Câmara, marcada pro início de fevereiro.
Neste cenário, voltariam a ganhar espaço candidatos hoje considerados quase descartados, como os deputados Elmar Nascimento (União-BA) e Antonio Brito (PSD-BA).
Não por outro motivo, ambos se recusaram a retirar oficialmente suas candidaturas, apesar de aliados dos dois já se mostrarem dispostos a negociar cargos na Mesa Diretora da Câmara com Hugo Motta.
O peso do favoritismo
Além da anistia, o PT tem medo de água fria.
Por isso, decidiu embarcar logo na candidatura de Hugo Motta, pupilo de Arthur Lira e considerado favorito até aqui.
“A gente não podia chegar por último nem deixar para embarcar no ano que vem. Precisamos atrair o Hugo Motta mais para o nosso lado do que para o lado do PL”, confidencia um líder petista.
Nessas conversas, sempre vem à tona a lembrança de Eduardo Cunha – que, tendo sido eleito presidente da Câmara com a contrariedade do Planalto, se tornou líder da oposição num processo que culminou no impeachment de Dilma Rousseff.
Dentro do PL, o pensamento é semelhante.
O partido do ex-presidente Bolsonaro decidiu embarcar na canoa de Hugo Motta confiante de que, por identificação ideológica, o deputado ficaria mais próximo da oposição que do governo Lula.
“Confiamos na palavra do Arthur Lira, de que o Hugo Motta não vai nos decepcionar e irá pautar os temas de interesse da direita. Ele assumiu esse compromisso conosco para apoiarmos sua candidatura”, revela um líder do PL.
Mistura conturbada
O fato é que, no campo ideológico, PT e PL são mesmo água e azeite.
E as conversas até aqui indicam que essas duas candidaturas não estão se misturando de fato. Estão apenas abrigadas no mesmo recipiente – neste caso, na mesma candidatura.
Qualquer gota adicional vai provocar turbulências na jornada da canoa de Hugo Motta rumo à presidência da Câmara. Quem vai se dar mal nesse trajeto? O tempo dirá.
Fonte: G1.globo.com