O embaixador da Nicarágua na Organização dos Estados Americanos (OEA), Arturo McFields Yescas, decidiu “romper o silêncio” e criticou nesta quarta-feira (23/03) “a ditadura” do presidente nicaraguense, Daniel Ortega.
“Tenho de falar, mesmo que tenha medo, mesmo que o meu futuro e o da minha família seja incerto”, declarou durante uma sessão virtual. “Denunciar a ditadura no meu país não é fácil, mas manter silêncio e defender o indefensável é impossível”, continuou o embaixador.
McFields, nomeado por Ortega como embaixador na OEA em outubro do ano passado, disse que falava “em nome de mais de 177 presos políticos e mais de 350 pessoas que perderam as suas vidas” na Nicarágua desde 2018 e em nome “dos milhares de funcionários públicos em todos os níveis, civis e militares, daqueles que hoje são forçados pelo regime nicaraguense a fingir encher praças e repetir slogans, porque se não o fizerem perdem seus empregos”.
O diplomata revelou que, em novembro do ano passado, dias antes de a Nicarágua anunciar a saída da OEA, pediu ao Ministério das Relações Exteriores a libertação de 20 prisioneiros idosos da oposição e de outros 20 em estado de saúde delicado, mas foi “ignorado”.
“No governo ninguém ouve e ninguém fala, tentei várias vezes durante vários meses, mas todas as portas estavam fechadas para mim”, relatou.
Sem liberdade
McFields lamentou que na Nicarágua “não haja liberdade para publicar um simples tweet” e criticou o fato de não existirem mais organizações de direitos humanos.
Segundo ele, a Nicarágua “se tornou o único país da América Central onde não existem jornais impressos” e onde não há “nenhum partido político da oposição”, “nenhuma eleição crível” e “nenhuma separação de poderes”.
Ele também disse que a Nicarágua é um país onde “as universidades privadas começaram a ser confiscadas e onde foram canceladas 137 ONGs católicas, evangélicas e ambientais e a Operação Sorriso”, entre outras.
Apesar da situação, no entanto, ele disse que “há esperança”, porque “as pessoas dentro e fora do governo estão cansadas da ditadura”. “Cada vez mais pessoas vão dizer que basta, pois a luz é sempre mais forte do que a escuridão”, declarou.
Governo diz que McFields não o representa
Logo após a fala de McFields, o governo da Nicarágua preocupou-se em se distanciar do embaixador.
“O governo de Reconciliação e Unidade Nacional, através do Ministério das Relações Exteriores, informa ao nosso povo e a quem interessar que o senhor Arturo McFields não nos representa, motivo pelo qual nenhuma declaração sua é válida”, informou a pasta em comunicado.
Segundo o governo nicaraguense, o seu representante na OEA “é o embaixador Francisco Campbell Hooker”, que está “devidamente credenciado”.
Campbell Hooker é o atual embaixador da Nicarágua nos Estados Unidos e é irmão do antigo “comandante guerrilheiro” e juiz eleitoral Lumberto Ignacio Campbell Hooker, que foi sancionado pelo Departamento do Tesouro dos EUA em novembro de 2019 por envolvimento em “abusos dos direitos humanos, fraude eleitoral e corrupção”.
Quem é McFields
McFields, o primeiro afro-nicaraguense a representar o país perante a OEA, é um ex-jornalista que trabalhou na embaixada da Nicarágua e na missão da OEA, ambas em Washington, antes de apresentar as suas credenciais como embaixador.
Pouco após McFields assumir o cargo, no ano passado, o ministro das Relações Exteriores nicaraguense, Denis Moncada, anunciou que a nação centro-americana se retiraria da OEA, queixando-se dos “repetidos atos de ingerência” na Nicarágua.
Quinto mandato de Ortega
Ortega iniciou o seu quinto mandato em 10 de janeiro deste ano, o quarto consecutivo e o segundo com a esposa, Rosario Murillo, como vice-presidente, após polêmicas eleições, marcadas pela detenção de opositores e em meio a novas sanções dos Estados Unidos e da União Europeia contra os membros da família presidencial e pessoas próximas.
As eleições foram apontadas por diversos órgãos internacionaiscomo fraudadas, com o secretário-geral da OEA, Luís Almagro, entre as vozes dissonantes. Sete prováveis concorrentes de Ortega foram presos e encarcerados nos meses que antecederam as eleições.
A Assembleia Geral da OEA votou para condenar as eleições, dizendo que as mesmas “não foram livres, justas ou transparentes e carecem de legitimidade democrática”.
Fonte: DW Brasil.